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Críticas

Cineplayers

Outro exemplo de cinema convencional descartável, que não funciona como suspense ou mesmo como drama.

4,0

Há algum tempo o diretor Rodrigo García pode ser reconhecido por mérito próprio, e não apenas por ser o filho do grande escritor Gabriel García Márquez, vencedor do Nobel de Literatura. Rodrigo desenvolveu toda sua carreira nos Estados Unidos e ganhou destaque como operador de câmera em alguns filmes, como em Grandes Esperanças. Foi posteriormente diretor de fotografia de alguns projetos, como Gia - Fama e Destruição e, na direção, já comandou episódios das premiadas séries televisivas A Sete Palmos e Amor Imenso. Passageiros é a primeira grande produção dirigida pelo colombiano, que já havia trabalhado em projetos menores no cinema, como no drama Questão de Vida. É uma pena perceber que tal profissional, tão prolífico e elogiado por seus outros trabalhos, não tenha conseguido tornar este filme em algo mais interessante.

Mas os erros não são apenas do diretor, que voltará a ser citado em breve, e já se iniciam com a premissa do suspense. Com a queda de um avião comercial, um pequeno grupo de sobreviventes passa a ser entrevistado por Claire Summers, terapeuta que procura minimizar os possíveis traumas causados pelo acidente. Com algumas sessões de terapia a mesma se deixa envolver com um dos sobreviventes e passa a investigar os motivos que estão levando seus pacientes a desaparecerem, um a um. Se uma curta sinopse já deixa pistas do que pode acontecer em Passageiros, a campanha de divulgação do filme apenas potencializa isso, o que prejudica imensamente a produção, que utiliza a estrutura básica dos suspenses que se desenvolvem mantendo as surpresas para serem reveladas em seu final. O trailer exibido nos cinemas até então é apenas uma versão mais curta do que pode ser conferido no filme, e revela muito mais do que se deveria sobre a trama, e dois dos cartazes nacionais ainda ridiculamente denunciam o que o roteiro do longa se esforça – mas não muito - para esconder. Para exemplificar o que os cartazes fazem, sem revelar a conclusão de Passageiros, é como se fizessem um pôster para O Sexto Sentido em que o personagem de Bruce Willis se encontrasse dentro de um caixão.

Ronnie Christensen, creditado por pérolas desconhecidas como 10.5: O Dia Que a Terra Não Aguentou, desenvolve seu roteiro da forma mais convencional possível, deixando várias pontas soltas durante o desenrolar da trama que não são nem mesmo aparadas pelo “surpreendente” final, cercado por explicações desnecessárias que certamente garantem o entendimento dos espectadores menos atentos, ou daqueles que dormiram durante parte da sessão, o que, no caso de Passageiros, não pode ser considerado um ato censurável ou incompreensível. Voltando ao adjetivo “surpreendente” inserido acima, carregado de ironia, o final do suspense, que se mostra aborrecido e desinteressante desde seu início, apenas confirma as suspeitas que podem ser formuladas sem muito esforço durante a sessão.

Anne Hathaway, Patrick Wilson, Dianne Wiest, Clea DuVall e Andre Braugher, todos atores competentes, todos desperdiçados em Passageiros. Hathaway em particular, indicada ao Oscar este ano por seu excelente desempenho em O Casamento de Rachel, tem a performance mais incorreta do longa, sendo em parte prejudicada por sua personagem. A atriz se esforça mas não consegue fugir da caricatura, criando uma terapeuta que parece duvidar de sua capacidade, extremamente influenciável, que funcionaria mais se fosse uma colegial e não alguém que possui dois mestrados, como um dos personagens menciona durante o filme.

E Rodrigo García, por sua vez, aparentemente não faz muito esforço para tirar Passageiros da ponta do precipício. O foco do diretor para o roteiro de Christensen desenvolve muito mais o raso potencial dramático do texto, o que acaba tornando o filme muito monótono para ser encarado como um suspense e superficial demais para ser levado à sério como drama. A cena de sexo entre os protagonistas, por exemplo, é uma das mais frias que o cinema já desenvolveu. E os cacoetes visuais tão característicos dos realizadores americanos deste gênero, utilizados à exaustão em produções que continuamente são lançadas sem os devidos cuidados, podem ser apontados aos montes em Passageiros. Se não são pessoas que desaparecem de repente quando determinado personagem olha novamente para um mesmo lugar, é a vez da fraca trilha sonora se potencializar rapidamente para induzir algum susto.

É até estranho ver Passageiros nos cinemas brasileiros, visto que o filme foi ignorado pelo público americano quando lançado inicialmente em poucas salas, o que fez com que seu circuito não fosse ampliado posteriormente. A produção certamente teria um destino mais digno caso fosse lançada diretamente em DVD, com menor visibilidade. Mas devemos aceitar tal destino para o filme, já que tal lançamento certamente não terá força o suficiente para se prolongar em nossos cinemas por muitas semanas.

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