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Críticas

Cineplayers

Pássaro branco aprisionado.

6,0

É provável que pouquíssimos se lembrem quem é Gregg Araki. Há pouco tempo ele filmou Kaboom, mas foi com Mistérios da Carne que ganhou notoriedade. Araki é diretor e roteirista. Suas histórias sempre transitam em terrenos controversos e seu estilo de filmagem é bem característico: geralmente conta a história de maneira simples e decidida guardando um segredo que nunca se revela até chegar a beira do fim, quando finalmente explode indubitavelmente. Seguramente é possível esperar coisas surpreendentes em suas obras, além de questões adolescentes, sexuais, cores vibrantes e trilhas melancólicas. Em Pássaro branco na Nevasca permite-se trabalhar com temas oníricos, rendendo todo um mistério sobre verdades latentes capazes de emergir como insights em sessões de terapia... ou em transas. 

No âmbito da adolescência temos uma viagem temporal apenas por ocasião, já que nada se difere da juventude contemporânea. Final dos anos 80. As caracterizações estão uniformemente demarcadas. A jovem Kat Connor (Shailene Woodley) é filha única e assiste a desestrutura dos pais alcançá-la a ponto de fazê-la questionar sua função no meio; e mais, suas impressões com relação aos sentimentos confundem-se nas observações evasivas que faz sobre sua mãe, Eve (Eva Green), uma potencial alcóolatra odiosa, amarga e amargurada com o que fez com sua vida aos olhos da passividade morosa de seu marido Brock (Christopher Meloni). Temos a mesma impressão que Kat, e tal como ela, nos sujeitamos a dúvida de um desaparecimento repentino. O filme aí se desconstrói, poucos anos passam com a ausência de Eve, sumiço o qual a polícia mostrou-se incapaz de encontrar qualquer pista.

Eva Green atordoa em sua composição colérica. Seu olhar serrado e sua lubricidade congênita favorece sem esforços algumas propostas do roteiro em trabalhar com o imaginário do espectador. Por si só o filme é imagético, bem filmado e realizado, mas fugaz nas pretensões estilizadas em ser deveras surpreendente ou ao menos imprevisível. Consegue, mas de maneira mecânica demais, sem naturalidade nos quadros. O melhor do filme é sem dúvidas as relações dispostas da protagonista: é ótimo acompanhar Kat, seus descobrimentos sexuais, sua personalidade corrompida pela censura traumática de um evento importante, seus interesses obscenos os quais cospe na tela e suas dúvidas que afligem suas condutas. Tudo isso se resume a performance convincente dessa jovem estrela hollywoodiana, Shailene Woodley, novamente adorável num filme menor que seu grande talento.

Abarrotado de representações, a obra se revela incógnita: os sonhos de Kat são simbólicos, coisas que enquanto desperta não consegue ver. É preciso observar de perto para enxergar! Aparentemente esse é o recado do filme. Não à toa, a vizinha em frente é uma senhora cega que não tem controle sobre o que seu filho faz ou o que os vizinhos aprontam. Apenas especula, tal como o espectador. Nessa onda simbólica o filme agrada com seus diálogos concisos e com o embate em diferentes níveis entre Shailene Woodley e Eva Green, dois talentos, dois símbolos sexuais explícitos cuja diferença temporal tende a um lado. Adaptado a partir do livro de Laura Kasischke, Pássaro branco na Nevasca é um drama promissor freado pelo asseio técnico que por vezes o mantém congelado, tal como a ação de um velho freezer, símbolo das razões dos sonhos gélidos de sua bela protagonista. 

Visto na 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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