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Pecadores

(Sinners, 2025)
7,6
Média
27 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Cerco ancestral.

6,0

Existe um lugar entre o inferno e o paraíso onde o sangue pulsa no ritmo do tambor e o horror é dançado antes de ser enfrentado. É nesse espaço simbólico que Pecadores (Sinners, 2025), novo trabalho de Ryan Coogler, finca seus pés: uma espécie de musical sobrenatural onde o mito do vampiro não serve apenas ao medo, mas à denúncia, à memória e à celebração de uma cultura ameaçada de apagamento. Se não é um filme inteiramente bem-sucedido, é certamente um dos mais ousados do cinema mainstream recente. A sinopse anuncia o inesperado: em uma noite quente dos anos 1970, um grupo de músicos negros se reúne num bar periférico, lugar de refúgio e efervescência cultural, para uma jam session que se transforma em algo muito maior — um ritual de afirmação.

Quando criaturas da noite surgem para sugar mais do que sangue — sugam arte, expressão, história — o palco vira trincheira. Os personagens, que até então buscavam liberdade na música, se veem cercados e obrigados a defender não apenas suas vidas, mas tudo o que representam. À primeira vista, o filme parece retomar fórmulas conhecidas: um espaço fechado, uma ameaça crescente, personagens encurralados. Mas Coogler injeta nesse modelo elementos que o distanciam do lugar-comum. Sua inspiração maior aqui não é Um Drink no Inferno (From Dusk Till Dawn, 1996), embora o eco esteja lá, mas sim Assalto à 13ª DP (Assault on Precinct 13, 1976) de John Carpenter — um cerco onde o que se defende é a integridade cultural, a permanência de uma história e o direito à narrativa própria.

A violência, nesse caso, é simbólica: não se trata apenas de sobreviver, mas de não ser silenciado. Há algo de profundamente físico no modo como o filme inscreve seus temas na mise-en-scène. A música não é trilha: é personagem, é arma, é território. Em uma das melhores sequências do longa, o filme abandona o didatismo e mergulha no delírio, cruzando diferentes ritmos e corpos em movimento, numa celebração do que há de mais vibrante na coletividade negra: a arte como resistência. É nesse instante que Pecadores encontra sua forma ideal — entre o pesadelo e o êxtase. Miles Caton, protagonista e maestro da narrativa, é de uma força magnética. Sua performance emula líderes espirituais, popstars e mártires num mesmo gesto.

Ele carrega nas costas não só o drama do filme, mas sua esperança. Quando canta, o tempo suspende. Quando luta, o som do mundo inteiro parece desacelerar. Mas nem tudo se sustenta com o mesmo vigor. A primeira metade do longa, dedicada a apresentar personagens e clima, é filmada com certa frieza. Falta densidade dramática aos conflitos iniciais, que parecem se resolver com rapidez antes de se tornarem relevantes. Já a segunda metade, quando o sobrenatural explode, às vezes se perde na tentativa de tornar suas metáforas explícitas demais. A força simbólica que até então vibrava com fluidez se torna tese.

E o clímax, esperado como apoteose visual, decepciona: Coogler dirige a batalha final com o freio de mão puxado, num registro menos inventivo do que o restante do filme prometia. Ainda assim, é impossível ignorar a força das imagens finais: o campo de algodão que se torna estrada, o corpo que dança mesmo ferido, a canção que persiste quando tudo ao redor parece ruir. Pecadores é, acima de tudo, um filme sobre permanecer: sobre não permitir que a cultura negra seja absorvida, distorcida ou exterminada por um sistema que transforma tudo em consumo. É um filme de “quases”? Sim. Mas também é um filme de coragens raras.

Comentários (2)

Ted Rafael Araujo Nogueira | quarta-feira, 11 de Junho de 2025 - 01:04

O bar como lugar não só de resistência física visceral, mas como uma persistência cultural a lutar por resistir por séculos. O aporte deste questionamento é bem condensado e quando aposta numa desmamada cronológica, o material viaja e funciona. E também concordo que sobre a brutalidade ao final, faltou sangue e tripas que justificassem a parte tácita e direta da ameaça.

João Pedro Duarte | quarta-feira, 11 de Junho de 2025 - 10:58

Esse filme dividiu opiniões. Quando assistir eu volto para dar meu veredito! haha

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