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Críticas

Cineplayers

Uma obra subestimada de De Palma que demonstra perícia técnica (a de sempre) e um enredo bom.

7,5

Brian De Palma, mestre do cinema policial e do suspense, já fizera incursões em vários gêneros cinematográficos; e, em praticamente todas elas, fora extremamente criticado. A Fogueira das Vaidades, por exemplo, comédia de sátira social protagonizada por Tom Hanks, virara praticamente um padrão para definição de filmes ruins, em meados da década de 90. E, devo dizer, não apenas como fã do diretor: a qualidade da obra está longe de ser tão desagradável. Caso semelhante vive Missão: Marte. Não raramente, o projeto é considerado um dos maiores desastres desse novo século, mesmo sendo, dentro de suas limitações, bastante interessante. E, dentre todas elas, uma, para mim, merece certo destaque: Pecados de Guerra, produção anti-bélica que traz à tona, mesmo que de forma bastante sutil, a inutilidade da presença americana na Guerra do Vietnã.

Após o lançamento do superestimado Platoon, de Oliver Stone, e de Nascido Para Matar, de Stanley Kubrick (1985 e 1986, sucessivamente), o tema em questão acabara tornando-se inevitavelmente vulgar para o cinema norte-americano: o público já estava cansado de ter que revisitar um acontecimento que, tendo causado dor e sofrimento para milhares de famílias, que perderam seus filhos em meio a uma guerra que nem era deles (o envolvimento norte-americano na batalha do Vietnã fora pura questão de vaidade, resultante da Guerra Fria), estavam dispostos a esquecer. Isso, aliado às críticas condenáveis recebidas pela obra, tornara-se praticamente um repelente contra o público, o que, obviamente, transformara o filme em pleno fracasso. Mas, seria a obra tão desqualificada como aparentava ser? Embora esteja longe de ser um grande filme, Pecados de Guerra funciona razoavelmente bem em sua proposta, além de entreter com qualidade.

No filme, Michael J. Fox vive um recruta que, em suas primeiras experiências na guerra, acaba se deparando com uma situação bastante inconveniente: durante uma longa missão de reconhecimento em meio à selva vietnamita, o comandante de seu grupo, interpretado pelo sempre excelente Sean Penn, seqüestra uma garota vietnamita para servir de escrava sexual aos soldados. Indignado com a situação, o recruta tenta de tudo para impedir os constantes maus tratos concedidos à garota e, embora sofra reprovação de seus companheiros, acaba estabelecendo uma relação de confiança com a vietnamita. Após uma fracassada tentativa de libertação, a garota acaba sendo assassinada e, inconformado com a situação, ele vai à justiça militar denunciar os membros do pelotão. 

Desta vez, a revisitação ao tema Vietnã se faz de uma maneira um pouco diferente: em momento algum, as questões políticas da guerra são utilizadas como elementos da obra. A história se passa no Vietnã, mas poderia, sem problema algum, ser ambientada na Coréia, na Europa ou na Indochina, três anfitriãs de batalhas do século XX. Com isso, a narrativa jamais trata exclusivamente da presença americana na guerra, mas faz uma pequena análise das atitudes reprováveis que um ser humano acaba tomando, durante seu estado de insanidade proporcionado pelo campo de batalha. Porém, o roteiro é um pouco raso e superficial, desprovido de profundidade no desenvolvimento de personagens e situações, embora, mesmo assim, jamais deixe de ser interessante. Além disso, também incomoda a grande quantidade de personagens estereotipados que compõem o grupo (o comandante durão, o recruta idealista e o soldado tolo, por exemplo), mas as boas atuações acabam por ocultar o fato.

Por sinal, o elenco de Pecados de Guerra funciona extremamente bem: Michael J. Fox, imortalizado como Marty McFly, do inesquecível De Volta Para o Futuro, confere ao seu personagem o ar de inocência ideal para a verossimilhança de suas atitudes, enquanto Sean Penn, que voltaria a trabalhar com o diretor anos mais tarde, no excepcional O Pagamento Final, demonstra sua corriqueira competência em uma atuação de extremo valor. Os dois formam o onipresente maniqueísmo de filmes de guerra: o garoto bonzinho e o comandante malvado são peças quase que indispensável para os roteiristas de filmes do gênero - ou melhor, dispensáveis sim, mas sempre utilizadas. Enquanto isso, o quadro de coadjuvantes é composto pelo ótimo John C. Relly, ainda em início de carreira, e John Leguizamo, ambos em modestas, mas interessantes participações. 

Já a direção de Brian De Palma, atração principal da obra, é formidável, como sempre, principalmente em seu cuidado com a câmera. É incrível como, neste filme, o diretor mantém-na praticamente o tempo todo em movimento. Para filmar a mais ordinária das cenas, De Palma sempre arranja uma maneira de encaixar um ou outro movimento de câmera, seja ele sutil ou bastante elaborado. Por exemplo: para filmar uma conversa entre três personagens, um diretor comum alternaria, obviamente, três planos fechados (um em cada rosto), seguindo o andamento da cena. De Palma, porém, centraliza a câmera em frente aos personagens e, em plano aberto, vai fazendo sutis movimentos horizontais, abrangindo um raio de mais ou menos 90º, levando a câmera até a posição da personagem que estiver falando. Movimentos como este, utilizados pelo diretor em grande parte de suas obras, raramente são perceptíveis para o público casual, mas são de puro deleite visual. 

Ademais, seu virtuosismo técnico ainda rende momentos sublimes dentro da obra: logo no início, na primeira cena de batalha, o personagem de Michael J. Fox acaba ficando preso em um buraco no chão. Com isso, a câmera inicia um longo movimento vertical para baixo e, logo após, revela não tratar-se de um buraco, mas sim de um túnel. Lá, um vietcongue aguarda, escondido, para atacá-lo. Aos poucos, ele começa a mover-se em direção ao americano, ao mesmo tempo que seu comandante corre em sua direção para salvá-lo. De Palma alonga a cena até o limite do suportável, conferindo tensão abismal para um momento que, como todos bem sabem, já tinha um final óbvio, ao passo que nenhum personagem principal jamais morrera nos primeiros minutos de uma obra. Além desta, também merece destaque a seqüência do assassinato, um longo e sangrento tiroteio muitíssimo bem filmado. 

Porém, a competência de Brian De Palma esbarra na fraqueza do argumento. O ponto de partida é interessante, apesar de pouco original, mas seu desenvolvimento fica aquém do esperado. Quando a parte burocrática da obra inicia, ou seja, a partir do momento em que o recruta leva a questão às autoridades, o filme perde a força existente em sua hora anterior, tornando-se, assim, arrastado e pouco interessante. Além disso, o fato de a história ser contada em flash-back (embora este seja ininterrupto), acaba soando extremamente artificial, já que serve apenas para resultar em um epílogo extremamente irritante. Mesmo assim, não deixo de recomendar esta interessante e inusitada obra da carreira do diretor, bastante subestimada pela crítica e esquecída pelo público. Mesmo que sua narrativa decepcione um pouco, vale à pena acompanhar o perfeccionismo de um dos maiores mestres da ousadia visual ainda atuantes no cinema.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 30 de Novembro de 2013 - 17:53

Uma bela obra de De Palma!!!! Penn e Fox muito bem em seus papéis. Pena que se arraste um pouco demais.

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