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Pequenos Guerreiros

(Small Soldiers, 1998)
6,6
Média
240 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

O militarismo pelo viés anedótico

8,0

Um ano antes da estreia de Pequenos Guerreiros nos cinemas, entrava em cartaz o filme de um tal Paul Verhoeven intitulado Tropas Estelares. Visto sob ótica equivocada, a sátira anti-belicista do cineasta holandês fora pisoteada pela crítica à época de sua primeira exibição. Rolava ali, evidentemente, uma ode anti-fascista. É bem verdade que, somente com o tempo, cinéfilos e críticos especializados foram percebendo essa real intenção do filme, que não aquela de se contentar com um mero sci-fi escatológico. Posto isso, engatilho aqui um paralelo com o filme de Joe Dante, Small Soldiers, também dono de uma veia ácida, mas com um toque distinto em relação ao que Verhoeven dera a seu Starship Troopers. Dante, como bom contador de histórias que é, pinça elementos dos mais inusitados, como fizera em Gremlins, para dar corpo e contorno a histórias recheadas em suas entrelinhas. Filmes daqueles que você bate o olho, não dá nada, sequer um tostão, mas sai de queixo caído ao subir dos créditos.

O primeiro ato é desenrolado com muita competência. Situa o espectador sem muita enrolação, já pondo, logo de cara, imagens televisivas diante dos nossos olhos. Anúncios a gerar prenúncios. A chamada propagandeia a Globaltech, o verdadeiro objeto inicial a servir de escracho para o filme. O prenúncio do que será o filme em sua pretensão devidamente controlada. Um filme que irá tratar da ambição de grandes corporações, que irá criticar essas mesmas empresas, sem perder o humor refinado de vista. A tal empresa de brinquedos, supostamente preocupada com seu público alvo, alia-se à Global, e consequentemente, ao aceno com as históricas inclinações patrióticas norte-americanas em tornar tudo ainda mais grandioso. Nada é bom na dimensão em que se encontra, tudo pode e deve ser aprimorado. O próprio cartaz em inglês brinca, num trocadilho certeiro, com essa ideia. Estampada está a frase “a big movie”.

Muito se fala a respeito do que está por trás dos panos do filme, por detrás daquela purpurinada cortina, mas permitam-me esmiuçar sobre esse ponto mais adiante. Por agora, acho que vale ressaltar o quanto Pequenos Guerreiros funciona, sem a condição sine qua non da sátira, como uma aventura digna de reprises nos canais abertos. Vejo que diverte até mais que o filme de Verhoeven, aqui citado. Tem estereótipos que são bem trabalhados e o personagem mais interessante ao lado daquele incorporado por Kirsten Dunst. Falo do garoto, filho de Stuart (Kevin Dunn). Ele carrega e incorpora bem a inocência de um menino deslumbrado com a loja repleta de brinquedos de seu pai. De início, uma relação curiosa se estabelece.

O primeiro contato do garoto com o líder dos chamados Gorgonóides nos mostra um Toy Story às avessas. Ao invés de brinquedos que se escondem e se calam na presença de humanos, bonecos que falam e interagem com os indivíduos pensantes de carne e osso em relação excêntrica. As escolhas formais de Dante para representar situações como a apontada anteriormente são das melhores. O trabalho com o CGI inserido nos cenários é tão ou mais bem feito quanto o que vemos em alguns live-actions mais recentes. Propicia uma sensação de brilho nos olhos e não polui visualmente. É perfeitamente possível distinguir humanos e brinquedos no faz de conta desbocado.

Enquanto que no Meus Vizinhos São Um Terror (1989), o alvo da crítica danteana voltava-se a um típico padrão suburbano de poses plastificadas, em Pequenos Guerreiros a mira está na testa do militarismo exacerbado. Por vezes tão exagerado quanto involuntariamente cômico. Ao colocar seus brinquedos em conflito – entenda-os tanto como dispositivos cinematográficos possbilitadores propriamente dito quanto os próprios bonecos -, Dante demonstra o quão estúpida pode ser uma guerra e o quão injustificada ela pode aparentar-se. O cineasta coloca esse seu discurso em tela subvertendo uma expectativa criada por aqueles que levam em conta a patriotada como regra nos filmes paridos pela terra do Tio Sam. O garoto, ponto central da trama, está ao lado dos deformados seres, os Gorgons, enquanto que o tal Comando Elite assume o posto supostamente antagonista na narrativa.

Ainda que vilões para o enredo, os soldados fardados, enquanto veículos em miniatura para a sátira militarista, delineiam tipo brucutus que estão ali não para meramente fazerem mal aos párias da narrativa republicana. Estão ali, num invólucro hollywoodiano, zombando de outro invólucro. Aquele a revestir as posturas de um país que, em não dando-se por satisfeito com sua hegemonia tanto econômica quanto institucional, corporifica aos berros um grito clamando por guerras que, por vezes, nem suas são.

É o que acontece no filme quando os humanos acabam se envolvendo em uma guerra que não diz respeito a eles, mas a eles afeta. Por menor que seja o tamanho da ameaça. Em suma, bonecos que causam um estrago espelhando um país que se sabota com coisas do tamanho de um Max Steel, em nome de bater no peito em gesto simbolizante e demasadiamente reiterado daquele que se orgulha do próprio poderio. É matar a pombinha com tiro de canhão. Isso pra dizer que matou.

Sabendo utilizar o cinema como conduto para o escárnio, sem incorrer em lógica deveras pretensiosa, você chega em algo muito próximo ao que Joe Dante executa. Com o poder do imagético, coloca em contraste humanos e criaturas minúsculas que, embora pequeninas, são nada mais que o próprio trumpista se representado em uma charge. Ao final do filme, após toda a baderna num terceiro ato bastante corrido e, por isso, até um pouco fatigante, as reparações vêm prometidas por quem? Pelo grande empresário que lucra graças à fabricação de suas armas cada vez mais aprimoradas. Retrato de um povo que, muitas vezes, cai em alienação pela necessidade de se orgulhar da própria bandeira, a qual parece indissociável da ideia da batalha pela batalha.

É possível ser nacionalista de tantas formas, mas a mais sedutora parece aquela que diz respeito à imposição por homens armados, prontos para o ataque. O inimigo, se é que podemos chamar assim, é enxergado quando na verdade não há opositor algum. Na verdade até há, para aqueles que dão vazão a delírios de grandeza, e o cinema de Dante os mostra sem qualquer pudor, com um repertório fílmico bastante proficiente. O verdadeiro inimigo é aquele estadunidense que, ao verter os olhos única e exclusivamente para o próprio umbigo, vê na guerra e no discurso do nós contra eles um escape para a própria mediocridade.

Comentários (3)

André Araujo | quinta-feira, 12 de Novembro de 2020 - 11:06

"Não demonstrem misericórdia!" kkkkkkkkkkkkkkkkk Amo esse filme...

Marcelo Queiroz | quinta-feira, 12 de Novembro de 2020 - 11:27

Hahaha. Dei boas risadas nele, André.

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