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Críticas

Cineplayers

Um retrato chamado Kristen.

7,0
Precisamos falar sobre essa moça. Há algum tempo, seriamente? Sim. 'Porque Kristen Stewart chegou no ponto onde chegou de sua carreira' é um bom ponto de partida, e a resposta mais cretina/rasa seria parabenizar seu agente (que sim, merece ser parabenizado), mas Kristen chegou nas bocas, chegou nos lugares, chegou no topo. E se seu agente hoje consegue excelentes contatos, testes e resultados é porque talvez hoje o mundo precise de Kristen Stewart. Em todos os sentidos.

Kristen é a garota comum, a atriz comum, gente como a gente, meio bagaceira, meio real, que tá puta de tirar foto fazendo cara sexy e repetindo quem fez seu vestido, que deve achar um saco muito grande tudo isso, e que parece algo que muita "ganhadorazinha de Oscar cedo demais" infelizmente precisa fabricar: Kristen parece viva e autêntica. Isso não tem fabricação, tá na cara da pessoa. E o "ora enfado nas fotos, ora visível empolgação" pra mim sempre traduziu um tempo, uma geração. É quase como se disséssemos que Kristen, sem querer, sabe onde estamos e para onde vamos, mesmo sem querer... o cinema então se viu hipnotizado e fascinado pela moça não tão bonita assim, nem tão talentosa assim, mas que sabe expressar dentro e fora das telas a insatisfação e o cansaço atual que todos nós sentimos.

Óbvio que estou no meio do Festival do Rio e essa análise do momento tem a ver com ele. Já vi Kristen três vezes na tela grande esse ano e duas delas são originárias da Croisette 2016, a terceira é o coadjuvantismo dela no belo filme de Kelly Reichardt também em cartaz no Festival, 'Certas Mulheres', onde ela discretamente representa o fascínio que estranhamente nos assola. Uma variação muito mais autônoma desse personagem vimos no último Woody Allen, onde esse mesmo fascínio tem um quê tão a mais que Allen não tem outra coisa a fazer a não ser dar textura a sua criação, para Kristen enfim humanizar. Mas a surpresa que assola o projeto 'Personal Shopper' vai ainda além, e infelizmente esse além não é positivo em todos os lados para onde olhamos.

Independente da gritaria por trás da atuação do júri de Cannes desse ano e do incrível prêmio de direção que Olivier Assayas conseguiu receber, paralelo a isso existe um filme que precisa ser analisado sem essa sombra. E a verdade é que o novo filme do diretor de 'Clean' é inexplicável, e eu não estou usando nenhuma questão de roteiro para ressaltar isso. Kristen é o que o título diz, uma mulher que vive da imagem alheia, dando voz a anseios alheios, comprando a beleza para outros usufruírem; sinal dos tempos que tenhamos chegado a terceirizar o acesso particular a ser belo. Em determinado momento, sua personagem começa a ser colocada em cheque frente a fenômenos sobrenaturais e, como qualquer ser humano normal, foge. Corre. Apavora-se. Deixa o desespero tomar conta e erra muito nos próximos passos a seguir. E assim vai complicando a própria vida.

Esse ano o Festival curadorizado por Thierry Fremaux viu em dois filmes um ponto de partida em questões estéticas ligadas ao humano, e de como isso pode destruir ou esvaziar as vidas dos envolvidos. Se a explosão estroboscópica 'Demônio de Neon' explora o ponto nevrálgico dessa situação de modo dolorido, aqui Assayas está interessado no esvaziamento não somente da tessitura desse viés, mas também do nosso próprio lugar nesse universo a qual estamos refém, sem vida e sem espaço para o renascimento. A busca pela beleza pessoal é uma prisão que estamos passando adiante, parece dizer Assayas. O problema é que o diretor parecia ter uma premissa e os signos mais fortes que a trama em si. O que adianta você saber exatamente o que dizer se não souber exatamente como?

No final, Assayas consegue muitas dúvidas com sua protagonista que corre desenbestada por aí sem dar muito sentido prático a isso, algumas certezas com sua direção sempre climática e estranha, conseguindo por muitas vezes uma atmosfera não de medo mas de bizarrice, e um único golaço chamado Kristen Stewart. A parceria que começou no longa anterior 'Acima das Nuvens' rendeu inúmeros prêmios a ela, um reconhecimento muito espontâneo de um talento desconstruído. Se Assayas sai de 'Personal Shopper' com uma grande certeza é a de ter escalado a pessoa certa para o projeto; Kristen há muito tempo não estava tão entregue, dinâmica, intensa, pulsante, verdadeira em seu desespero e dando credibilidade a bobagens do roteiro como passar longuíssimos minutos a discutir com um possível fantasma via WhatsApp. No fim das contas se o filme tem alguma estrela e talento, terá sido esse reconhecido a Kristen mediante o que Assayas tirou dela? Independente da conclusão dessa brincadeira de gênero do diretor francês cuja substância ele alcançou melhor no lado poético que no prático, a verdade é que o show aqui é dessa mau humorada 'girl next door', uma mulher que é um retrato do nosso tempo muito mais acertado do que temos coragem de admitir.

Visto no Festival do Rio 2016

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