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Críticas

Cineplayers

Um dos maiores clássicos da Disney chega ao formato Blu-ray em magnífica restauração, evidenciando um apuro técnico que nem mesmo o estúdio conseguiu repetir depois.

8,5

Dentro da sua política de relançar um de seus grandes clássicos a cada ano, a Walt Disney escolheu Pinóquio (1940) para inaugurar os lançamentos no formato blu-ray. E fez bem feito: o filme chega ao DVD com textura e cores soberbas, parecendo um quadro barroco, realçando seu claro-escuro de tal forma que, se comparado aos filmes gerados por computador de hoje em dia, está próximo a um Rembrandt.

Pinóquio é considerado por muitos como o mais triste e escuro filme da Disney – há controvérsias, pois a morte da mãe do Bambi (1942) é páreo duro. A tarefa para o criador era difícil, pois o segundo filme de Walt Disney tinha de atender as expectativas depois do estrondoso sucesso de Branca de Neve e os Sete Anões (1937), seu primeiro longa, que custou US$ 1,5 milhão e rendeu US$ 80 milhões. Disney escolheu um livro do século 19, de Carlo Collodi, e deu toda uma ambiência européia a esse genuíno clássico da animação, absolutamente inesquecível, já parte da cultura ocidental e praticamente assimilado por toda criança que se preze nos últimos 70 anos.

Com metáforas singelas e delicadas, o filme segue em ritmo lento contando a história do boneco de madeira que, abençoado pela fada madrinha, ganha vida. À medida que amadurece, Pinóquio vê o nariz crescer (com as mentiras) e as orelhas tomarem o formato das de um burro depois que bebe e fuma – ou seja, é já um pré-adolescente. Vendo as imagens explodirem na tela até hoje com força e beleza, fica-se tentando imaginar qual teria sido, na época, o efeito na platéia quando a baleia aparece, enorme e amedrontadora, para engolir todo o navio com Gepeto, Pinóquio, o Grilo Falante, o gato e até o peixinho, que nunca sai de seu aquário nem em mar aberto.

Disney era do Missouri, um dos estados americanos do chamado  "cinturão bíblico", e levou para a ensolarada Califórnia, onde fundou seu famoso estúdio, todo o conservadorismo puritano do meio oeste americano. Seus valores rurais o levaram a um naturalismo nas imagens verdadeiramente impressionante. A beleza sai dos objetos, de sua essência, funcionalidade, cores e formatos. Enfim, um estilo que seria a base da arte americana até meados dos anos 60, quando a vanguarda nova-iorquina pôs fim a esse idílio campestre.

As músicas inocentes, o perfil psicológico calcado no coletivo e o esvaziado contexto político e social, tudo está presente neste segundo filme, a verdadeira gênese da filosofia conservadora que os herdeiros do estúdio seguirão caninamente até os anos 90, quando a Disney, agora já atacada de reacionária, será contestada pelos novos e indolentes criadores, também geniais, da Dreamworks e Pixar, que farão seus filmes em oposição a Disney, mesmo a Pixar sendo uma empresa da própria companhia.

Pinóquio  veste calcinha e é afeminado em Shrek 2, o mais rentável desenho animado da história, que ridiculariza o universo Disney. Para as crianças de hoje, espertas, usuárias da internet, mordazes e muito mais informadas, Pinóquio  seria mesmo um caipira do meio oeste – ou homossexual enrustido, para os criadores do Ogro Verde da DreamWorks.  Por isso Pinóquio é um classico: ser contestado ou mesmo ridicularizado é a prova maior de sua longevidade e permanência.

De qualquer forma, Disney com seus desenhistas criaram o universo de Pinóquio que, nas telas, explode num Technicolor que nada fica a dever aos grandes filmes do período, como  …E o Vento Levou (1939) – curiosamente, toda essa densidade raramente seria vista depois, nem mesmo o estúdio conseguiu reproduzi-la posteriormente. O filme vai evoluindo cada vez mais escuro, uma vez fora da oficina de Gepeto, até praticamente ficar preto-e-branco quando em alto mar já enfrentando a baleia – impossível não comparar as cenas subaquáticas com Procurando Nemo, da Pixar, feito 65 anos depois, com incontáveis referências, quando a companhia digital de Steve Jobs já havia sido comprada, a preço de ouro, pelo império Disney.

Mesmo que fique atrás de Branca de Neve, que tem um roteiro mais elaborado,  é mais ambicioso e não tanto carola, Pinóquio, em seus breves 88 minutos, é eterno e incontornável, a ser visto pelo menos uma vez na vida, nem que seja para, como disse o semiótico francês Gilles Deleuze, criar uma fictícia e falsa infância no imaginário, um dos mais caros sonhos de quase todos os adultos hoje em dia, que é julgar ter sido feliz pelo menos em um momento de sua existência, mesmo que este momento nunca tenha existido de fato –  e o cinema pode, segundo o pensador, suprir essa falta.

Nota do editor: a edição em blu-ray do filme estará disponível no Brasil a partir do dia 30 de abril de 2009.

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