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Críticas

Cineplayers

Uma farsa bem-humorada em torno de lutas políticas e relações conjugais.

7,0

Há uma espécie de tentativa do nosso sempre insuficiente circuito exibidor (auxiliado pelo mercado de vídeo) em fazer de François Ozon um sinônimo de cinema francês recente aos olhos do público brasileiro. Faz mais de uma década que a maioria de seus filmes circula com alguma facilidade em cinema ou dvd, se não vejamos: Potiche: Esposa Troféu (Potiche, 2010) é o terceiro filme dele em menos de um ano a estrear nas telas brasileiras. Enquanto que diversos mestres ou revelações francesas bem mais interessantes que Ozon por vezes passam despercebidos ou sequer possuem chances de serem vistos na tela grande por um público que não o dos festivais, o circuito erroneamente quase que legitima Ozon como um representante oficial do cinema francês contemporâneo.

Ainda assim, tampouco agiríamos com razão se apedrejássemos o cineasta por uma visibilidade que outros de seus pares mais talentosos mereciam e não possuem. Se durante muito tempo François Ozon era com razão tratado com desconfiança por causa da irregularidade evidente de sua filmografia, a julgar pelos seus filmes mais recentes (O Refúgio [Le Refuge, 2009], e principalmente Ricky [idem, 2009]), o cineasta continua o mesmo, só que manifestando entrar em uma maturidade muito bem-vinda, e dentro da qual Potiche é mais um passo. 

Os filmes do diretor quase sempre giram em torno da família como instituição, mas não raro existem para momentaneamente colocá-la de cabeça pra baixo. Se sua filmografia oscila entre o drama e comédia, Potiche abraça o humor para ressaltar a hipocrisia das relações familiares, sem fazer um filme cínico, mas bastante engraçado. Suzanne (Catherine Deneuve) é a mulher submissa, casada há três décadas com Robert (Fabrice Luchini), o industrial sem escrúpulos que gerencia a fábrica de guarda-chuvas que a esposa herdou do seu pai. Vivem uma rotina de família economicamente bem-sucedida, pertencente a uma classe média alta, com o reacionarismo e traições do marido, a frivolidade da esposa, e a relativa distância dos filhos.

A história transcorre em 1977, mas muitos podem custar a perceber, e acreditar que se passa nos dias atuais. Estoura uma greve entre os funcionários da fábrica, com o marido mantido de refém dos empregados, o que vai obrigar a esposa a assumir o comando da situação para intervir com os grevistas, em parceria com um político de esquerda (Gerard Depardieu), de quem fora amante quando jovens e com o qual possui uma relação mal-resolvida.

É o estopim que desencadeia a dissolução familiar em forma de farsa política bem-humorada. Cansada do tédio e de mentiras, Suzanne atende as exigências dos operários, mas se recusa a devolver a administração ao marido, que terá que disputar com o personagem de Depardieu (com o qual nutre um ódio recíproco) as atenções da antiga esposa. Se cinematograficamente Ozon vem melhorando com o tempo, em termos de roteiro o seu último filme por vezes tem a agilidade e a graça de uma comédia de situação (os tais sitcom), com diálogos cáusticos e velozes em torno de temas como luta de classes, política, ideologias, relações conjugais, sexo, mentiras e traições.

Os filmes de Ozon as vezes se ressentem de uma predisposição do cineasta em brincar com seus personagens como se fossem bonecos, em Potiche esse perigo se evidencia mais uma vez por o roteiro estar lidando com tipos cujo interesse neles só se realiza até certo ponto. Mulheres costumam ser ponto forte em sua obra, daí os personagens femininos serem mais elaborados (a esposa, a amante, a filha) que os masculinos, embora todos se destaquem em virtude das excelentes atuações do elenco. Entregar Deneuve e Depardieu em performances divertidas seria por si só um presente para os seus admiradores, ambos despertando empatia imediata com seus personagens (a sequência em que estão juntos numa danceteria ao som de um sucesso francês da época é especialmente belíssima), só que o filme vai além com a ótima presença de seus coadjuvantes.

Potiche mistura mais humor e melodrama do que conflito e política, o que não é nenhuma problema. Mas de certa forma, Ozon termina seu filme de modo conservador, e prefere adotar medidas conciliatórias, cuja previsibilidade para muitos pode ser normal por se tratar de uma comédia, o que também não chega a ser prejudicial visto que no cinema tudo depende da maneira como um diretor lida com essa previsibilidade. Em Potiche os personagens vão tomando um rumo natural em direção a um desfecho coerente com o modo como as relações entre homens e mulheres vem se desenvolvendo nos últimos trinta anos.

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