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Críticas

Cineplayers

Refilmagem indecisa e dependente, que não dá um passo sem recorrer ao original francês.

4,0

Há uma crise de identidade em O Preço da Traição, remake de Nathalie X, da cineasta francesa Anne Fontaine. Nathalie X é um drama humano dos relacionamentos e da atmosfera invisível de paranóia que se estabelece a partir da desconfiança, terreno onde cada palavra é aberta e perscrutada em busca de um fio de verdade que comprove as suspeitas do outro. É onde mora a tensão.

Ao refilmá-lo, o egípcio Atom Egoyan (de O Doce Amanhã, ensaiando talvez uma fase hollywoodiana) combina os genes do original com os do cinema de gênero americano e acaba parindo uma matéria amorfa sem lugar na natureza. Segue o plot, seguem algumas cenas em sequência quase idêntica, alguns diálogos são cortados, a sensualidade emerge ao plano explícito; tudo normal até o momento em que aquela tensão natural, mantida o tempo todo em estado latente no original, é embalada numa série de cacoetes de thriller de obsessão vagabundo de Supercine.

O cinema francês processado para se tornar palatável a outro público é algo perfeitamente justificável (até porque o mínimo que se espera de uma refilmagem é que percorra caminhos diferentes do original), mas o problema aqui é que há uma resistência quase intransponível em abandonar completamente o referencial de Nathalie X. Dá de fato a impressão, ao menos nos primeiros vinte minutos, de que estamos vendo se repetir um Psicose de Gus Van Sant. O filme de Anne Fontaine está todo ali, e como Egoyan não começa seu O Preço da Traição dentro do suspense, é preciso fazer uma transição (a partir do grande turn da trama) de um gênero para outro, e é um momento de quase auto-sabotagem, porque sequer há realmente esta passagem, são dois tons absolutamente diferentes em que um atropela o outro sem que o primeiro deixe de existir em hora alguma até o fim de todos os 99 minutos.

Mesmo que naufrague, O Preço da Traição leva consigo, no entanto, alguns bons momentos. Egoyan pega a frieza que é apenas apática no filme de Fontaine e lhe confere só um pouco de expressividade para reposicioná-la num padrão elegante de sutileza. É assim que todos os contos eróticos distribuídos na voz de ninfeta de Amanda Seyfried soam especialmente provocantes, que surge a habilidade admirável de Egoyan para lidar com detalhes e extirpar os sentimentos de cada personagem com a câmera para oferecê-los ao espectador a partir de uma manifestação física. É o perigo de trabalhar com metáforas somado ao de externar demais o que a princípio está debaixo de uma parede de gelo; como montar um castelo de cartas.

Egoyan sofre primeiro pela tarefa de contar uma história já contada no cinema centenas de vezes, segundo pela falta de ambição em contá-la sem se desapegar de todas as outras e acima de tudo do material que a originou, ensaiando um mergulho suspense adentro sem jamais querer se assumir thriller. Não há coexistência, e na impossibilidade de administrar essa duplicidade de forma orgânica (o que exigiria mais que um Atom Egoyan), O Preço da Traição termina no meio do caminho, de pé na estrada, em frente à bifurcação.

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