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Predador, O

(Predator, The, 2018)
5,4
Média
73 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

A patetice inimitável de Shane Black.

8,0
No final da década de 80, as pessoas conheceram Martin Riggs, a Máquina Mortífera, um policial à beira da psicose que assustava até mesmo o experiente Murtaugh. Em 2016, o detetive beberrão Holland March e o investigador antiético Jackson Healy investigavam a morte de uma estrela pornô assassinada em Dois Caras Legais. Entre muitos tiros, situações e diálogos inflamados, todos esses nomes saíram da cabeça de Shane Black, que agora estreia a sua abordagem pessoal na franquia dos alienígenas Yautja com o filme O Predador.

Os bichos estão de volta, mais fortes e carniceiros que nunca, em um filme em que o diretor afirma sua mudança de tom ao estilo do personagem que interpreta no Predador original de John McTiernan. Ao invés do suspense com toques de terror (ou o contrário), o filme de Black é sua área de expertise: uma tour de force de ação recheada de diálogos “fogo rápido”, humor negro, gags visuais e, como não poderia deixar de ser, um nível absurdo de violência que vem nos mais variados pacotes: repulsiva, hilária, inesperada, dramática. Escolha seu preferido, o diretor a inseriu aqui.

A história dessa vez segue o atirador de elite Quinn McKenna (Boyd Hollbrook), que interage com o Predador desde o início, quando um serviço seu é atrapalhado. Após mandar fragmentos da armadura do Predador de volta para casa e ser preso, seu filho acaba sob risco de vida quando o genial garoto acidentalmente chama a criatura para o subúrbio americano. Acaba sendo obrigado a se aliar com um grupo de perturbados ex-soldados a caminho do Hospital do Exército e a bióloga Casey Brackett (Olivia Munn). No desenrolar dos fatos, irão enfrentar tanto o alienígena quanto oficiais do alto escalão com seus próprios planos para a tecnologia Yautja.

Ao redor da formulação básica de ação, há no cinema de Shane Black um detalhe que diferencia sua maneira de orquestrar as cenas: são menos set pieces, momentos descolados de grande elaboração visual, e mais gags visuais, efeitos cômicos produzidos pelos atores a partir de suas interações com o universo. Ao mesmo tempo, essa violência é marcada pela consequência, algo pouco visto na violência performática e circense do cinema super-heróico de hoje em dia. 

Tomemos como exemplo: Casey sobe em um ônibus para tentar acertar o Predador com um dardo tranquilizante. Quando o mesmo responde furando a roda do veículo, ela cai e dispara para o próprio pé, o que causa um efeito cômico para o resto da cena. Se a violência dramática é um circo e os super-heróis são acrobatas, os personagens de Shane Black estão mais para palhaços - atrapalhados, sujeitos a acidentes e muito falhos, o que pode até ser visto no seu filme da Marvel, Homem de Ferro 3.

É dessa noção que surge o heroísmo - e moralismo - cínico e capenga do filme. A salvação do mundo é mais pessoal, salvar a própria vida, do que necessariamente um encargo do dever. Nesse sentido, McKenna e seus soldados amalucados funcionam mais como um Esquadrão Suicida do que o próprio filme de 2016. Sem amparo, estão destinados a sofrer baixas e a morte vira questão de momento. Procurados, qualquer ferimento será - e é - fatal. E a morte, por vezes concedida de maneira gloriosa e heróica, em outros casos é como uma piada - curta, inesperada, patética.

O Predador também é trabalhado nesse sentido, assim como os personagens. Observa-se que aqui ele não é o guerreiro perfeito e mítico do primeiro filme, que só revelava seu rosto horrendo lá pelo final. Já na primeira cena, o primeiro Predador que caiu na Terra é destituído da icônica máscara e bracelete. O segundo, que vem no seu encalço, maior e mais forte, é “depenado” impiedosamente, vítima inclusive do próprio aparato hipertecnológico que frequentemente age de maneira reativa ao ser atacado. Nas mãos de outro, a velha sabedoria popular de “feitiço virar contra o feiticeiro” soa engraçada para Black que, sem medo do sagrado, amassa sem pesar humanos e Predadores em seu pastelão sangrento.

Esse ritmo cômico está nos diálogos, onde a piada é uma forma de apresentar e unir os personagens bem como revolver a seu favor, na construção do seu ritmo (todos são espertinhos e boca-suja e falam de maneira rápida e estourada) e também na maneira que a ação é enfocada, não dramática, mas em ritmo furioso como seus diálogos: explosões e acidentes são quadros de fundo para uma trapalhada, tiros errados são enfocados em plano aberto para estabelecer uma reviravolta não só narrativa como física e, afinal de contas, sustenta um interesse em uma história genérica, com arquétipos genéricos (anti-herói sacana, garoto excluído porém genial, cientista que irá resolver a situação) mas que vivem um universo em que literalmente tudo pode acontecer - e geralmente acontece da maneira mais estapafúrdia possível.

Black bebe muito no pessimismo e do cinismo do cinema noir, haja visto o protagonista que passa o filme inteiro com a mão cortada em Dois Caras Legais aos moldes do nariz cortado de Jake em Chinatown, mas soube incorporar como ninguém aos seus filmes de policiais e militares a narrativa, e por conseguinte a linguagem compreensível porém anárquica das melhores e mais desprezadas comédias físicas e verbais. Todos são alvos da dor - mas também do riso. Ele até expande o universo mas não é necessariamente o foco. Não mais que o é irritar policiais com piadas sujas, escapar de agentes do governo com uma perna dormente ou até mesmo ficar constrangido na frente de uma presença alienígena. Coisas que só existem no mundo patético e singular de Shane Black, um dos roteiristas (e diretores) mais tresloucados do mainstream americano.

Comentários (3)

Taumaturgo Moura | quinta-feira, 13 de Setembro de 2018 - 21:44

Eu já tava empolgado! para ver "O Predador" agora depois desse texto do Brum...

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