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Críticas

Cineplayers

Ricky Gervais falha ao levar suas observações cômicas da TV para o cinema.

3,0

Ricky Gervais é um dos expoentes mais significativos da “nova comédia americana” atual, ainda que ele seja inglês. Gervais não faz parte do grupo de Judd Apatow, que deu um novo rumo ao jeito de se fazer comédia nos Estados Unidos, na última década, e nem mesmo se assemelha ao seu tom cômico e seu estilo de gags, mas tem importância inegável, principalmente graças a seu produto mais famoso, a série The Office. Sua inserção na cultura americana se tornou tão potente que além de The Office, Gervais ganhou um Emmy de ator de comédia por outra série, Extras, e desenvolveu uma série animada chamada The Ricky Gervais Show. Aparece constantemente em premiações, normalmente tirando um sarro com a cultura dos EUA e alimentando a idéia de superioridade dos ingleses – e especialmente a dele. Portanto é natural que Gervais caminhe na tentativa de dominar também o meio mais rentável da indústria do entrenimento americana, o cinema. Mas parece ainda necessitar de muito tempo e paciência para aprender a ser engraçado no cinema, como prova o frustrante O Primeiro Mentiroso (The Invention of Lying, 2009).

Originalmente exibida na Inglaterra, entre 2001 e 2003, com Gervais escrevendo, produzindo, dirigindo e atuando em todos os episódios, The Office fez um sucesso tão grande que exportaram a idéia para os EUA, com Gervais como produtor executivo e ajudando a lançar Steve Carell definitivamente ao estrelato. A série, que como seu criador tem uma forte idéia de anarquia embutida na base do “humor de constrangimento”, recebeu um tratamento mais leve na transposição americana, tendo personagens mais sem noção que necessariamente odiosos, como eram os ingleses e principalmente o chefe interpretado por Gervais. Michael Scott, na versão de Carell, é um imbecil completo, incapaz de comandar seus subordinados, mas que na verdade faz tudo somente por atenção e pela constante busca por aceitação. Assim, tudo funciona maravilhosamente bem em ambas as versões, pois elas se adequam às respectivas culturas que estão retratando. Portanto, se Gervais foi capaz de encontrar o tom exato das duas versões de seu produto mais famoso, como ele erra a mão em seu próprio tom no cinema?

O Primeiro Mentiroso parte de um princípio bastante interessante e com grandes possibilidades de exploração. Num mundo onde todas as pessoas falam somente a verdade, um homem fracassado (Gervais), diante do desespero de ter perdido todas as coisas, “inventa” a mentira (como no título original). Detendo de uma arma tão poderosa, ele passa a ter todas as coisas que quer e manipular as pessoas do jeito que bem entende. Na teoria, tudo isso é material para um bom filme cômico, porém Gervais falha miseravelmente em erguer essas idéias em cena. Enquanto em The Office, a estrutura de falso documentário propunha uma liberdade muito grande na construção das cenas (tudo poderia ser captado do ângulo que se quisesse, sem que houvesse uma necessidade de eixo fixo, enquandramento rigoroso, ou qualquer “regra” cinematográfica ou televisiva anterior) e a câmera seguindo os personagens e enquadrando o que interessasse já era seu discurso em si, em seu filme Gervais tenta ser um diretor de comédia hollywoodiana, mas as limitações das convenções estéticas acabam com qualquer possibilidade de liberdade que ele pudesse vir a ter. A graça que o filme tem no início, quando somos apresentados ao personagem e as primeiras gags entram em ação, é substituída pela sensação de estranhamento e constante repetição de uma mesma piada.

É como se Gervais, o comediante, fosse deixado de lado pelo Gervais, homem de negócios, produtor e co-diretor (ao lado de Matthew Robinson), que perde sua graça e o sentido de sua idéia diante da necessidade de colocar seu filme nos eixos do que seria o padrão. Infelizmente, é uma tentativa bastante fracassada, pois nada, no que concerne à arquitetura de cena, pode ser tomado como satisfatório. O modo como os personagens vão sendo colocados em cena e a dureza que eles adquirem, pela impossibilidade da mentira, faz com que as atuações sejam muito mais inverossímeis e desconfortáveis que realmente engraçadas. O excesso de elementos e personagens e a escassez de recursos também ficam evidentes e geram um incômodo tremendo. Atores famosos pipocam na tela, fazendo pontas de luxo (provavelmente na tentativa de ajudar nas bilheterias), mas enquanto isso se esquece de que para se filmar uma boa cena cômica, é necessário mais que uma idéia batida de plano/contra-plano. O filme parece artificial, no final das contas, no mal sentido do propósito, fazendo com que a encenação seja teatral demais e executada sem muita preocupação.

O personagem de Gervais aprende a mentir e passa a dominar o mundo, catequizar as pessoas e tenta achar um sentido para sua vida. No meio de todos os temas batidos, estão o medo da morte, o sucesso profissional e financeiro e a busca por um grande amor (sendo esta a parte mais constrangedora de todo o filme, com a personagem de Jennifer Garner parecendo um fantoche nas mãos de diretores que não conseguem manipulá-la corretamente). Os profissionais medíocres de Hollywood sabem muito bem como manejar essa lógica do “mais do mesmo”, pois nasceram fazendo isso e nunca antes na vida tiveram um lampejo de criatividade ou inventividade. Gervais vêm de outro universo e não deveria almejar para si encontrar o caminho do ordinário com um cinema tão pobre. Talvez Gervais precise olhar pra trás e se inspirar mais em alguns de seus personagens de The Office que, sob pena de passarem por um grande constrangimento, falam a verdade, doa a quem doer.

Comentários (4)

Ney Antonio Veiga | sábado, 24 de Setembro de 2011 - 13:34

Assisti e gostei muito, dei excelentes risadas mesmo quando o filme deixa de ser comédia e se torna um lança afiada cutucando crenças alheias.

Fernanda Pertile | domingo, 02 de Outubro de 2011 - 16:04

Eu assisti ao filme hoje e achei muto bom, dei muitas risadas... Sem dúvida o Ricky Gervais tem muito talento para a comédia...😁

jorge lucas | segunda-feira, 27 de Fevereiro de 2012 - 22:01

ouso dizer q esse filme seria beeeeeeeeeem mais engraçado nas mãos dos americanos, a partir do momento em q o personagem de Gervais recusa a fazer sexo com a mulher da rua por não axar correto akilo, o filme desanda, vira uma comédia boba, chata, sem graça, quase familiar, enfim, me decepcionei bastante, bastante mesmo, principalmente por ter Gervais com uma ideia tão interessante em mãos

Yuri Mariano | quinta-feira, 10 de Outubro de 2013 - 11:52

Uma ideia brilhante nas mãos erradas, um dos piores filmes que eu vi na minha vida.

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