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Projeto Gemini

(Gemini Man, 2019)
5,8
Média
60 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Derrapada em dose dupla

4,0

Não dá para não acusar o Ang Lee dessa década de estimular em seu cinema o surgimento de possibilidades extraordinárias, no campo estético. A primeira indicação ao Oscar de direção de Lee foi pelo balé épico O Tigre e o Dragão, seguido pela primeira encarnação do Bruce Banner moderno em Hulk, um filme que encontrou seus defensores em meio à turba furiosa que tentou atear fogo aos experimentos extravagantes do cineasta taiwanês, que em seus últimos longas voltou a flertar com a tecnologia de maneira direta em seus projetos, aqui chegando a resultados que impressionam nem sempre positivamente, tanto pelo que propõem quanto pelo que dispõem.

Ainda que o roteiro não apresente nada de novo e/ou atraente, claramente não era a proposta do projeto construir uma narrativa sofisticada. Se os diálogos carecem de lapidação e vez por outra o escorregão na breguice fique evidente, há um projeto de cinema sendo construído pelo autor, que dialoga com As Aventuras de de Pi e A Longa Caminhada de Billy Lynn em seus lugares investigativos da transformação imagética artificialmente, que pintam o cinema pelo avesso do realismo, seguindo uma tradição que Lee já idealizava mesmo nos longas enxutos de efeitos visuais, mas carregados de potência de gênero.

Aumentar o número de frames por segundo nesse Projeto Gemini trouxe clareza para o filme, uma sensação nítida de profundidade de campo e de definição detalhada de cada elemento filmado; mas, se no campo do aprofundamento o filme se elabora muito bem e reverbera com qualidade seus intentos, o excesso de nitidez da produção acaba por eliminar de si tudo que é essencialmente cinematográfico. Toda a beleza de texturas, as tintas promovidas por uma lente diferenciada, todo o grão possível em cada poro de fotograma desapareceu, e com eles também sua beleza. Com suas imagens excessivamente definidas, passamos a enxergar uma obra com o frescor que a própria retina promove; perde a essência cinematográfica, que dá a vez a uma proposta quase televisiva de textura. Mais precisamente a "velha TV".

Outro aspecto que sai positivado da experiência (ao menos até o epílogo do filme, que parece finalizado por uma equipe disposta a sabotar a projeção) é a recriação da juventude de Will Smith. As técnicas de rejuvenescimento artificial já foram mais do que aprimoradas a essa altura, mas o resultado conseguido ainda impressiona e consegue pregar peças no olhar, quando as versões jovem e madura do ator se encontram, principalmente na primeira e melhor sequência do filme, a da perseguição de motos, onde Lee habilmente preenche a tela com um sem número de acontecimentos a moldar toda a cena, repleta de detalhes que podem fugir a percepção, mas que completam a experiência. Essa cena também é a melhor do filme, por ser das únicas onde todas as propostas estéticas e dramáticas pensadas para a produção são realizadas a contento.

O que acaba faltando primordialmente a Projeto Gemini é relevância, que na voz de seu diretor poderíamos traduzir como importância. Ang Lee tem, ultimamente, trabalhado suas ambições em contexto tão imersivo e subjetivo, em captações de imagens que se empenham em reproduzir um realismo visual, acabando por criar uma dubiedade incômoda aos projetos. Ora, tratam de propostas de captação hiperrealista abordando universos hiper fantasiosos terminando eventualmente sem impressionar onde deveria, nem provocar as sensações de maravilhamento desejadas. São produtos escapistas acima de tudo, sem qualquer charme ou atrativo além das propostas por um vendedor de eletrodoméstico avançado. Pouco para um homem tão cheio de capacidades como ele.

O cinema-espetáculo até pode ser usado de forma menos exigente como fonte de entretenimento puro e simples, mas a ausência de motivação de um produto para além da carga de adrenalina injetada no público (ainda que essa diversão seja subjetiva) produz uma massa vazia e despreocupada com a posteridade, de consumo direto para o período dos dois meses em que permanecer em cartaz nos cinemas, se tanto, nos dias de hoje, com excesso de oferta e diminuição da procura. 

Comentários (1)

Mancha_ | quinta-feira, 10 de Outubro de 2019 - 08:12

Pois é, duro constatar que o Ang Lee de agora está perdendo impacto. Acho que o último pós "O Segredo de Brockeback Mountain" (2005) que julguei realmente interessante foi "Aconteceu em Woodstock"(2009) -- talvez "Desejo e Perigo"(2007) tbm seja... Já esse "Gemini" estava na gaveta a tanto tempo, que fica dificil não imaginá-lo como um mero Diretor "de encomenda", contratado em último caso. xP

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