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Críticas

Cineplayers

Que estranho falar de Fellini.

8,0

A filmografia de Federico Fellini, talvez o mais aclamado cineasta italiano de todos os tempos, embora seja pontuada por obras variadas, que vão do movimento neorrealista ao puro surrealismo, é até hoje definida como extravagante ou excêntrica, ou muitas vezes taxada por alguns como hermética. Sua forte persona artística imprimiu em suas obras uma marca muito particular, de modo que seu cinema continua irrepetível, de magnitude e complexidade jamais atingidas por um ou outro seguidor. Por conta disso, foi construída em sua volta uma aura mítica que lhe alçou ao patamar dos maiores cineastas de todos os tempos, obrigatório para qualquer amante de cinema. Se algumas tentativas de falar sobre Fellini são válidas, como no excelente documentário Fellini: Eu Sou um Grande Mentiroso (Fellini: Je suis ungrandmenteur, 2002), outras nem sempre acertam em cheio, como na recente homenagem de Paolo Sorrentino a obras como A Doce Vida (La dolce vita, 1960) e Roma (idem, 1972), no premiado A Grande Beleza (La Grande Bellezza, 2013).

Fica claro que falar de Fellini não é tão simples quanto abordar outros grandes nomes, como talvez Chaplin, Hitchcock ou Kubrick. Somente alguém com talento e íntimo do cineasta poderia realizar tal feito sem decepcionar, e é isso que nos oferece o grande Ettore Scola na cinebiografia Que Estranho Chamar-se Federico! (Che strano chiamarsi Federico, 2013). Amigo pessoal de Fellini, Scola é outro marco no cinema italiano, embora não tão reconhecido. Aqui ele não apenas se limita a contar passagens da vida de seu conterrâneo, como também aproveita para associar cada uma delas a algum filme do mestre, colocando em evidência o quanto as obras de Fellini possuíam um inegável apelo íntimo e pessoal – e talvez por isso sejam consideradas por muitos como impenetráveis.

Mais do que isso, Scola assume o tom e as cores de cada uma dessas obras referenciadas, conseguindo recriar a fantasia exacerbada dos filmes de Fellini em uma linha aparentemente realista de cinebiografia. Aos olhos de Scola, a vida de seu amigo foi mágica, ao ponto de a imaginação dividir espaço com a realidade, ambas captadas muito organicamente em convivência pela lente do cineasta. Sendo assim, vemos sua infância na cidadezinha de Rimini como uma ode ao belíssimo Amarcord (idem, 1973), e encontramos ecos de Roma (1972) em sua chegada na cidade grande, assim como descobrimos histórias sobre a prostituta que lhe serviu de inspiração para As Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria, 1957). 

Ao mesmo tempo, o filme não se limita a uma sucessão de curiosidades aleatórias implantadas na trajetória de vida de Fellini. Pelo contrário, é um tratado e declaração de amor ao seu cinema único, além de um gesto de amizade e nostalgia que toca fundo, em especial pelo uso da trilha sonora de Nino Rota, e na aplicação de imagens de registros reais, fora o final recheado de referências a filmes inesquecíveis, como (idem, 1963), A Estrada da Vida (La Strada, 1954) e E La Nave Va (idem, 1983). Um trabalho de inegável preciosidade, em especial para os fãs de Fellini, e uma oportunidade única de ver em tela grande o filme de outro mestre de valor cativo na cinematografia italiana. Se até hoje não houve sucessor à altura de Federico Fellini, que haja sempre mestres como Ettore Scola para nos lembrar o quão estranho, difícil, porém deslumbrante, é mergulhar de cabeça nesse universo circense de um mestre de cerimônias que fez do cinema um picadeiro onde todo sonho é verdade.

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