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Críticas

Cineplayers

Um breve estudo sobre o quanto a percepção humana influi na realidade, conduzido em um meio termo de realidade e ficção.

7,5

Produzido em 2004 pelos diretores William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente e escrito pelos mesmos com a participação de Matthew Hoffman, o filme pretende levantar as questões existenciais da raça humana e, sob uma ótica cientifica, respondê-las. Para dar crédito ao discurso defendido, vários membros eminentes da esfera acadêmica e de pesquisa avançada contribuem com suas indagações metafísicas e depois com suas respectivas respostas. No filme, os diretores empregam a fórmula da mistura das linguagens documental e de ficção com o objetivo de ilustrar as complexas suposições e postulados levantados pelos cientistas. Somado a isso temos a presença do gênero comédia, que é usado na tentativa de sublinhar as “patéticas” relações sociais do humano moderno.

O produto dessa composição é um filme que acerta em escolher e abordar temáticas de interesse a todos que se julgam seres existentes. Entretanto, o filme erra, ou peca, no momento que chama pra si a responsabilidade de trazer respostas plausíveis em função das descobertas e conclusões da ciência moderna e acaba se limitando a atribuir à Igreja, como instituição, e à Deus as razões das contingências de opressão que atribulam toda raça humana.

O eixo central do discurso do filme é o papel da percepção humana na representação da realidade. É alegado que a nossa interação com a realidade externa está intimamente ligada com o nosso conceito construído da realidade. Portanto sugere que existe uma realidade interna e particular para cada ser humano. Essa realidade interna seria a variável resultante da equação que tem como fatores: o ambiente social e material do individuo, sua experiência registrada sobre o ambiente e sua capacidade de captação e interpretação das informações externas. A equação em tela é trazida sob conceitos da Física Quântica, ciência famosa por ser em grande parte empirista e, em ainda maior parte, de ciência de especulação. Nota-se que os elementos citados na equação são muito familiares à teoria Semiótica e aos estudos da Psicologia Comportamental. A diferença está nos termos técnicos usado em cada área do conhecimento. No caso da Semiótica na modalidade de estudo dos signos, a experiência registrada do ambiente externo é trazida sob a estrutura dos léxicos, ou seja, estrutura dos repertórios apreendidos ao longo da interação com os outros seres e com o mundo em si. Essa interação é abordada junto aos fenômenos de comunicação. Estes são a melhor amostra de interação com a realidade e com o ambiente.

Ainda sob os aspectos semiológicos, extraímos do filme a conclusão de que não podemos separar o filme, como obra de comunicação, do filme como discurso sobre qualquer assunto que seja. Ou seja, os elementos de fotografia, a interpretação dos atores, a edição, os efeitos visuais e ilustrativos e o discurso são um, o próprio filme. No caso da obra “How the Bleep do We Know? ’’, na versão original, há muita incoerência em diversos casos. O mais significativo é a cena em que a festa de casamento se transforma em um reduto de pessoas agindo ridiculamente. A clara referencia ao gênero “pastelão” atribui ao filme uma corrosão contrastante em relação a toda a atmosfera cientifica e culta construída nos minutos iniciais. De instigante o filme torna-se, em um bólido salto, desprezível. A preocupação dos cineastas em enxotar a pressão social de coerção que a Igreja exerceu ao longo dos séculos foi mal conduzida e acabou se assemelhando mais com uma ideologia de libertinagem do que com uma denúncia da influencia inferida. Em Skinner vemos que as contingências de reforço negativo exercidas por um ambiente social não se limitam a dogmas religiosos, mas sim a conceitos de aceitação em grupos e a regras de comportamento que são constantemente selecionadas pelo meio social. Em suma, os tão odiados conceitos puritanos não são coadjuvantes da coerção social, mas também não são os únicos dignos de acusação, como o filme faz. 

A obra é bastante interessante quando tenta sustentar o argumento de que a realidade é inferida por nós. As possibilidades de comportamento e de tomada de decisão são ampliadas quando se acredita, debaixo de argumentação científica, que a luz de um objeto externo observada pelo olho e dada pelo olho como real, já estava dentro do olho antes dele observá-la. Mais interessante quando mostra que dentro da física quântica, nada toca nada. No entanto essas cenas atêm-se muito mais como forma documental e informativa do que com argumento de defesa da nossa influencia sobre o real, o espaço e tempo.

Quando o filme trata das sinapses dos neurônios, os habitados com a teoria dos signos logo identificam naquelas animações digitais ilustrativas as inter-relações entre os signos e entre as informações respectivas a cada signo e a cada significante. Cada vez que o individuo tem contato com uma situação inusitada e imprevisível, ou seja, que não tinha referências em seu léxico nem em seu lexicográfico, novas ligações são feitas entres os neurônios da mesma forma que em nossa consciência atribuímos novas referencias de informação e de correlação entre o velho e o novo. Popularmente, é o fenômeno de se “abrir a cabeça”. Há, portanto, um brilhante casamento entre o senso comum, a ciência especulativa baseada na razão e as ciência contemplativa, baseada no experimento. Em outras palavras, é a convergência do físico (o tecido nervoso) e o imaginário (a teoria dos signos).    

Analisando o filme profundamente, é fácil extrair duas conclusões; a primeira é que a Semiótica existe. A segunda, inspirada na primeira, é que a tese da inferência do homem na realidade, a mesma tese do filme, é real, dado que quem procura qualquer coisa no mundo real, acaba encontrando-a desde que acredite nela. Assim como eu fiz quando encontrei a realidade da Semiótica.

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