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Críticas

Cineplayers

Tecnicamente esplendoroso como esperado, o novo longa da Pixar perde-se em meio a tantas lições de moral batidas.

6,0

Ratatouille é a nova animação da parceria Disney/Pixar, responsável, por exemplo, pelo sensacional Procurando Nemo. A direção fica por conta do competente Brad Bird que, por sua vez, é responsável pelo ótimo Os Incríveis. A junção de dois grandes elementos – estúdio de sucesso e diretor competente – teria como resultado óbvio uma grande animação. Mas não é o que ocorre nesse novo trabalho de Bird. O filme não é ruim, mas deixa um pouco a desejar.

O longa conta a história de Remy, um ratinho diferente dos demais de sua espécie. Ele tem paladar e olfato apurados e, por isso, deseja usar seu dom especial na culinária. Remy sonha em ser o maior chef de Paris. Ao se perder de sua família, o ratinho acaba encontrando Linguini, um jovem cozinheiro que não tem o mínimo talento para gastronomia. Pronto. Está formado o cenário ideal. Se Remy não pode ser chef de cozinha por ser um rato, e o jovem também não pode ser chef por não ter o mínimo jeito para a coisa, nada melhor do que uma parceria entre os dois. Assim, Remy começa a ajudar o desastrado jovem a preparar deliciosas receitas em um restaurante parisiense.  

Brad Bird concebeu um filme ingênuo. Apesar de ser uma animação, gênero que proporciona mais liberdade criativa, o exagero, em algumas ocasiões, prejudica o convencimento do que se passa na tela. São seqüências que, como forma de desenvolver a história, utilizam-se de saídas fáceis. Quando o ratinho está perdido no esgoto da cidade, aparece o fantasma – fruto da imaginação de Remy - do falecido chef de cozinha, e dono de um famoso restaurante, Gusteau, que tinha como bordão a frase “todo mundo pode cozinhar”. O fantasma acaba trazendo informações demais. Ele é um dos elementos encontrados pelos roteiristas para dar continuidade ao longa sem maiores explicações. O roteiro de Ratatouille, de uma maneira geral, é inferior aos das outras animações da Pixar. O avanço notável, assim como já era esperado, está na qualidade visual da animação. Em uma cena, por exemplo, há uma bonita visão de Paris, vista do alto.  

Se as animações costumam divertir com boas piadas, Ratatouille foge à regra. É possível contar nos dedos as passagens e diálogos realmente engraçados (o público vai perceber claramente a falta de cenas que provocam riso). A animação acaba sendo infantil, um pouco vazia, sem empolgação. Não fui envolvido pelo que via. As mensagens são tantas e tão presentes que parecem exageradas. O filme torna-se ingênuo justamente pelo excesso de lições de moral.

Falando em lições, algumas delas chegam ao exagero. Quando ainda está no esgoto, o que Remy mais quer é um pedaço de comida. Ao conseguir chegar ao restaurante e se deparar com tanta comida, o ratinho não ingere nada, pois o espírito do chef Gusteau aparece para dar uma das várias lições de moral: “Não roube comida, crie”. Tudo bem que roubar é errado, tudo bem que o filme é para as crianças, mas tudo tem um limite. O ratinho está morto de fome e não vai comer porque sua imaginação não deixa? Então, pode-se concluir que Gusteau é a representação do subconsciente do ratinho, o que torna válida e menos condenável a intenção do roteiro. Depois vem uma passagem de extremo mau gosto, quando o fantasminha afirma que quem quer consegue comida. Será mesmo? Depois disso fiquei me perguntando por que, então, existem tantas pessoas que passam fome se, para comer, basta querer. É compreensível o filme ter a intenção de passar a mensagem de que roubar não é correto, mas para conseguir isso comete exageros.

Ratatouille tem dois vilões. O chef que assume a cozinha de Gusteau após sua morte, e o crítico gastronômico Anton Ego, responsável pelo clímax da produção. O imponente e respeitado Ego foi, no passado, quem acabou por tirar a cotação máxima do restaurante ao escrever uma crítica negativa sobre a comida do local. O sucesso da parceria entre Remy e Linguini acaba chamando a atenção do crítico, que decide conferir a qualidade da refeição servida no restaurante. 

Já próximo do final, Ratatouille demonstra achar injusto críticas negativas. Um determinado personagem, referindo-se à crítica gastronômica, conclui que até o pior produto é mais digno do que a pessoa que o julga ruim (não necessariamente com essas palavras, mas a mensagem é essa). Vendo o longa, fica claro que, intencionalmente, as mesmas palavras se encaixariam perfeitamente em um relato sobre qualquer tipo de crítica, incluindo a cinematográfica. Mas o papinho moralista não convenceu. Se o filme deixa a desejar, e pode, como conseqüência, receber uma ou outra avaliação não muito animadora, isso não tira sua dignidade – ao menos nesse caso - mas isso não quer dizer que uma produção não muito boa – como é o caso - não possa ser criticada por sua qualidade limitada.

Dentre as várias lições que a animação da Disney tenta ensinar – roubar é errado, quem quer consegue, a importância da família e da amizade, etc. - está o apelo pela conservação e respeito da natureza. Devido à importância do assunto, atualmente muito discutido, e a maneira sutil como essa mensagem foi passada – os diálogos sobre o tema ocorrem na cena em que o pai de Remy lhe mostra como é a natureza dos homens, em frente a uma vitrine – esse trecho se salva da mesmice que se tornaram algumas cenas com mensagens claras. 

O que mais atrai são as qualidades técnicas e os pratos preparados por Remy, que, realmente, dão água na boca, como o que deu nome ao longa: Ratatouille.

Comentários (2)

Lucas das Flores Gatto | segunda-feira, 12 de Setembro de 2011 - 16:29

Eu acho que o crítico, nesse caso específico tem sérios problemas de interpretação, ou assistiu ao filme de má vontade, pois se apegou apenas ao básico do mesmo, que sinceramente, é um "puta" filme.
Mais que a moralzinha do "qualquer um pode cozinhar" o filme tem a sacada genial de não ter vilão, a luta é de Remy com ele mesmo, é um filme sobre a auto-aceitação, num mundo que sofre por isso, graças a discriminação natural do ser humano. Dúvidas? Só assistir novamente e reparar nos diálogos entre Remy e a família dele.
Outro fato interessante e irônico do filme é que por não ter vilão, o nome do único "problema" do filme é Anton Ego... Ou, Antagonista, ou ainda, forçando mais, Alter Ego, o que faz totalmente sentido, pois até Remy se julga mal em determinados momentos.
O filme não tem tanta comédia pois esse não é seu foco, mas a maneira como ele nos passou o clima francês e a trilha sonora são impecáveis.
Desde já, muito obrigado, Lucas F. Gatto.

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