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Críticas

Cineplayers

O maior mérito do filme é partilhar com o público uma constante e complexa construção de significado.

10,0

Único filme de Alfred Hitchcock a vencer a principal categoria do Oscar, Rebecca – A Mulher Inesquecível traz a história de um milionário (Maxim De Winter) que se apaixona por moça humilde, com quem casa. Quando ambos vão morar na mansão dele (Manderlay), os problemas começam a surgir por conta da enorme sombra da primeira mulher dele, a falecida (e inesquecível) Rebecca.

O filme começa devagar, dando a impressão de que será apenas uma história romântica comum. Na verdade, até aquele momento, o diretor apresentava, com detalhes, os dois personagens, conferindo a eles toda a subjetividade necessária para torná-los humanos – estratégia fundamental para conquistar a empatia do público. Quando o relógio aponta para meia hora de produção, a história começa de fato. É quando se apresenta o grande conflito do filme: o duelo entre a nova Sra. De Winter (que sequer tem primeiro nome) e a primeira (Rebecca, “a inesquecível”). 

O primeiro ponto de genialidade absoluta surge aí: todo o enredo se desenvolve ao redor de um personagem, construído de forma tão verossímil como todos os outros, que, no entanto, jamais aparece na tela! Rebecca é apenas uma imagem, uma sombra negra e poderosa, que está sempre presente – mas não tem rosto. Não é à toa que ela dá o título ao filme: mesmo sem nunca aparecer em cena, Rebecca é o centro da trama.

E a tarefa nada fácil de imputar tanta importância a um ser ausente é executada com todos os méritos. Rebecca é moldada com perfeição através de apenas um recurso: o que é dito dela – as opiniões dos outros personagens a respeito dela, que lhe conferem uma aura de onipresença. É aí que reside a enorme tensão da trama. A governanta personifica a ausência de Rebecca e torna-se agente de sua constante lembrança, mostrando o tempo todo para a nova sra. De Winter que a primeira era inesquecível. Mais que um jogo de vaidades, surge um clima de total claustrofobia, atmosfera que toma a mansão e deixa sua (nova) senhora sufocada.

Para concretizar esse pavor que se instaura em Manderlay, são fundamentais as atuações das duas atrizes principais: Joan Fontaine e Judith Anderson. A primeira é composta de gestos simples, sutis, sempre contidos. Traz a introspecção da personagem e, mais que isso, a opressão que sofre e a que se submete. A sra. De Winter de Joan Fontaine tem sempre a cabeça baixa, fala sem convicção, traz nos gestos e na postura uma mulher acuada e sem forças para reverter isso – sequer para tentar. Já Judith Anderson consegue criar uma das mais assustadoras vilãs da história do cinema. A expressão imperturbável mostra superioridade; ela jamais é apelativa, não precisa perder-se em gritos ou histeria. A sra. Danvers é a maldade sutil, que cresce aos poucos como o terror em Manderlay. Ela sugere, manipula. Está sempre presente e traz, junto de si, a nuvem negra e instransponível que é a memória de Rebecca, uma mulher que representava um ideal de perfeição inatingível para a simples (segunda) sra. De Winter. E o espectador é levado, juntamente com a protagonista, a descobrir, aos poucos, quem foi, de fato, Rebecca.

O segundo ponto de genialidade é, portanto, essa constante e complexa construção de significado, feita cena após cena, que torna a experiência de assistir ao filme ainda mais prazerosa. É tudo isso que coloca Rebecca no mesmo patamar das melhores obras de Hitchcock (Psicose, Festim Diabólico e Janela Indiscreta) e – por que não? – de toda a história do cinema americano.

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