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Ressaca

(Ressaca, 2018)
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Românticos em luta

6,5

Retrato das intensas transformações pelo qual nosso país está entregue nos últimos anos, Ressaca é fruto de seu tempo, para o bem e para o mal. Os projetos começam de uma forma e vão se ressignificando independente da vontade dos autores, no caso aqui Patrizia Landi e Vincent Rimbaux. O caso da nossa História é tão cruelmente complexo que fica difícil saber onde começava exatamente o projeto, quais eram as intenções iniciais, como se desdobrava sua estrutura narrativa e quais eram os recortes de saída. Por onde andou a conformidade frente às constantes mutações pelo qual o Brasil vem passando, em alguns momentos até diariamente, e porque vias os diretores tentaram manter o controle sobre um material vivo em transformação, suas imagens e as ressignificações impostas a elas pelas circunstâncias alheias ao filme... E que acabam se tornando o filme em si.

Patrizia e Vincent propõem um olhar a princípio por três personagens, Márcia, Filipe e João, unidos emocional e profissionalmente pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro às vésperas do desmonte. Uma bailarina, um músico e um funcionário da segurança assistindo ao processo de desconstrução pública aplicado pelo governo aos espaços de cultura, e como reagir a tudo isso em diferentes esferas, a pública e a privada. Do encontro com essas três inspirações nasce um longa que a própria História não deixaria aperfeiçoar, por se tratar desse registro vivo, impactante emocionalmente e relevante politicamente, convergindo com delicadeza as duas coisas em uma. Mas ainda que a proposta fosse equilibrada, o próprio país não permite tal ação hoje, e tropeça na quantidade de efeitos colaterais que os golpes e desmandos produzem.

Algumas questões, no entanto, ultrapassam o emocional e o temporal. A captação de som enfrenta alguns desafios no primeiro segmento, quando observamos os diálogos dos ensaios entre os bailarinos. Além disso, algumas passagens do filme parecem claramente ensaiadas (mesmo que não tenham sido), o que em se tratando de um documentário soa muito descolado do resto da obra, que tem personagens tão orgânicos - as cenas na Áustria são o exemplo. Já uma sequência que tinha tudo pra dar errado (incêndio do Museu Nacional, e a narração/amarração que é feita a ele) é tão bem construída e sublinhada pelo roteiro, que acaba por costurar todos os elementos apresentados a uma nova possibilidade de tragédia.

Um dos grandes méritos de 'Ressaca' é trazer envolvimento emocional que una público à obra. Conseguimos perceber o porque cada um daqueles personagens são íntimos dos seus ofícios, ficando assim mais fácil comprar suas revoltas, tristezas e desesperos. A comunicação é fluida entre o que é filmado, sua proposta narrativa e mesmo os 'ruídos' que surgem conforme a História ultrapassa a história; as cenas das apresentações artísticas ao ar livre em caráter de protesto são verdadeiramente emocionantes, além de muito tristes e pesarosos sobretudo que precisemos esclarecer sobre cultura, ainda hoje. Outras cenas, mais ligados à natureza do conflito (o ensaio da Orquestra que termina em briga; o chamado feito em reunião, antes das apresentações), trazem vigor a uma proposta que é melancólica a começar pelo preto e branco escolhido para a paleta.

O quadro que Patrizia e Vincent nos entregam ao final não tem nada de redentor, não tinha como ser diferente mesmo. Enquanto alguns espectadores enxergarão falta de esperança e de redenção no longa, a verdade é que não há momentaneamente nenhuma mesmo e a luz no fim do túnel ainda nem parece ter sido acesa. Pra que então tentar imprimir algo inexistente ao projeto? Ainda assim, foi necessário coragem para o desfecho de seu filme.

* Visto no 29º Cine Ceará, 2019

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