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Críticas

Cineplayers

Precursor do Cinema Novo brasileiro, é parte essencial da filmografia do Brasil.

8,0

O monumental trabalho desenvolvido por Nelson Pereira dos Santos em Rio 40 Graus, visto como marco inicial de um movimento que revitalizou o cinema nacional, é estupendo e merece reconhecimento eterno. Já analisado pelo viés de produção isolada de nosso cinema, fica evidente que o mesmo possui alguns problemas, mas nada que impossibilite sua total apreciação.

Logo no início da década de 50 a produção cinematográfica brasileira passava por uma fase frágil, quando o estúdio Vera Cruz havia parado de produzir filmes e as então chanchadas, que outrora fizeram tamanho sucesso, não eram mais que objetos saudosistas de alguns. Nesse cenário surge Nelson Pereira dos Santos, jovem de idéias comunistas filiado ao partido PCB e apreciador do cinema neo-realista italiano, assim como das produções francesas dos anos 30, de diretores do calibre de Jean Renoir. Vendo no cinema nacional uma oportunidade de inserir o que tanto apreciava na estética cinematográfica desses outros países, essa vertente de realidade inegável que saltava aos olhos, o diretor idealizou o trabalho Rio 40 Graus.

O filme não só ficou marcado pela revolução que causou na história de nosso cinema, mas também é comum associá-lo aos problemas que enfrentou desde sua concepção, até seu lançamento. Rio 40 Graus demorou um ano para ser filmado e o mau tempo constante, somado a recorrente falta de dinheiro da produção, foram as maiores causas que fizeram os 90 dias necessários para as filmagens se estenderem por tanto tempo. Já finalizado, o filme se deparou com seu maior obstáculo. O nome dele era Geraldo de Menezes Cortes, na época chefe da Segurança Pública, que censurou a obra alegando que a mesma estava repleta de elementos comunistas, além de passar uma má imagem de políticos e possuir uma linguagem popularesca, cheia de gírias. Como se isso já não fosse desculpa suficiente para a censura, Menezes Cortes ainda alegou que o filme era primeiramente mentiroso, já que nunca se havia registrado, até aquele momento, a temperatura de 40 graus no Rio de Janeiro.

Após intensa movimentação artística intencionada a retirar a censura do filme, assim como algumas sessões clandestinas que ocorriam e funcionavam para agregar força ao projeto, não muito tempo depois, o veto que o censurava caiu. Seu lançamento aconteceu em março de 1956 e, mesmo com todo o burburinho gerado pela mídia, o filme não foi grande sucesso de público, embora recebesse elogios dos mais honrosos, como o do influente crítico francês André Bazin. 

O filme se inicia com uma panorâmica que explora a beleza do Rio de Janeiro, mostrando o estádio do Maracanã, o Corcovado e as belas praias do local, que se direciona vagarosamente para a parte pobre da cidade, continuando com a panorâmica, agora sobre as favelas que ali existem. A tal seqüência, que faz fundo aos créditos iniciais do filme, evidencia a intenção da análise do diretor, que deseja mostrar o triste contraste causado pela comunidade pobre quando inserida à parte mais afortunada do local. O filme mostra um domingo ensolarado na vida de cinco meninos pobres, que vão vender amendoim nas praias e arredores. 

A abordagem do filme para a época, inserida em um contexto histórico brasileiro que não era dos mais animadores, foi extremamente corajosa. Nelson Pereira dos Santos guia seu roteiro com uma destreza que evidencia certo auto-ditatismo, visto que esse foi seu primeiro grande trabalho nos cinemas. Após esse projeto o diretor ainda nos brindaria com a pérola Vidas Secas, obra-prima do cinema nacional baseada em livro de Graciliano Ramos. Rio 40 Graus, além de explorar a pobreza como uma realidade ignorada, caracteriza um político de forma quase caricata, que deixa toda e qualquer análise sócio-política para seu assessor de imprensa. É como se Nelson Pereira dos Santos nem imaginasse que a censura pudesse barrar seu filme. Mas assim ela fez.

O filme, infelizmente, não possui uma boa edição em dvd no país e o encontrar não é tarefa das mais fáceis. O próprio diretor já afirmou que o seu projeto necessita de uma restauração. Uma pena, pois geralmente na versão encontrada ficam evidentes algumas falhas grotescas em sua edição de som, assim como na precariedade de suas imagens. Rio 40 Graus tem também como ponto fraco algumas das atuações, que ficaram datadas, dado o expressionismo exagerado que alguns atores empregaram a seus papéis. Com um elenco composto por vários amadores, o projeto de Nelson Pereira dos Santos seria mais verossimilhante caso tivesse empregado maior tempo na preparação de seus atores.

É notável a influência que este filme causou nas obras cinematográficas lançadas posteriormente no país, que não tinham como intuito principal a arrecadação de dinheiro. Rio 40 Graus foi a peça chave para o início do movimento chamado Cinema Novo, que ficou conhecido por defender o famigerado bordão “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, e tinha explícitas influências do cinema de autor da França, movimento conhecido como Nouvelle Vague, assim como o já mencionado Neo-realismo italiano. 

Precursor do movimento que nasceu para elevar o status do cinema de arte nacional, Rio 40 Graus é parte importante da filmografia essencial para qualquer cinéfilo. Apenas citando alguns nomes que se lançaram como defensores dos preceitos estabelecidos pelo Cinema Novo brasileiro, Glauber Rocha foi provavelmente o que ganhou maior destaque, junto a Leon Hirszman, Cacá Diegues e Rogério Sganzerla. Ratificando a imensa importância do filme, sem Rio 40 Graus e sem Nelson Pereira dos Santos nosso cinema provavelmente nunca teria gerado algo como Cidade de Deus.

Texto retroativo da série Clássicos Brasileiros

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