Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

O cinema nos pertence.

8,0

Inspirado nos moldes da Belair, produtora por onde Rogério Sganzerla e Júlio Bressane realizaram um numero espantoso de longas em uma faixa curta de tempo, a Operação Sônia Silk – nome da personagem de Helena Ignez em Copacabana Mon Amour (idem, 1970) - é uma iniciativa da Alumbramento de realizar três filmes com o orçamento de R$ 100 mil, obtido com o Canal Brasil. Dois deles estão no festival do Rio: O Uivo da Gaita (idem, 2013), de Bruno Safadi, e O Rio Nos Pertence, de Ricardo Pretti. Ambos os filmes são estrelados pelas atrizes Leandra Leal e Mariana Ximenes e compartilham um interesse mútuo tanto pelo desprendimento de linguagem quanto a um retorno a mesma.

O Rio Nos Pertence é a história de Marina, uma mulher que volta ao Rio de Janeiro após dez anos distante, que resolve voltar quando recebe um cartão posto onde está escrito o nome do filme, abandonando seu namorado alemão Hans e reencontrando pessoas do seu passado, como o ex-namorado Mauro e sua irmã, com quem reparte um passado sombrio. Tal rascunho de história, que nunca se desenvolve ou se responde de verdade, estabelece um palco de criações atmosféricas, onde seus personagens vagam por imensos porém claustrofóbicos ambientes nos quais a sensação de fantasmagoria é constante: contraluz, sobreposições, zenitais, músicas e narrações em off utilizadas de maneira pouco usual em seu diálogo com a imagem enfocada dissipam linhas de realismo para na contramão buscar imagens atrás de imagens, novas potencialidades através de novos movimentos de câmera, de movimentação de ator, de perspectiva na montagem, da imposição do plano-sequência sobre a montagem tradicional.

Tudo isso cria uma abordagem particular de um Rio ignorado, com suas impressões e facetas tétricas e bizarras capturadas e organizadas por Pretti com uma simplicidade – ainda que sofisticação – impressionantes. A descida ao inferno de Rio Nos Pertence não faz concessões ou toma meias medidas em seu ataque sensorial, em um caldeirão de sexo, filosofia, urbanismo, poesia e natureza que cerca sua protagonista que vaga pelas sequências sem maiores certezas, sem grande destino, desamparada por qualquer unidade social, longe de qualquer instituição, sem um chão para pisar. O universo de Alumbramento tem lá sua carga errante que explora uma perturbação diferente daquela de O Som Ao Redor (idem, 2012) – se em um o homem desespera-se atrás de grades, aqui continua desesperado quando sai das mesmas, quando tenta estabelecer um laço algo catártico, já que aqui se está em um terreno de confrontação, e explorando a intimidade desse deslocamento constrói uma relação entre múltiplas imagens, que em suas semelhanças e contrastes, explora tanto essa deslocação quanto o questionamento do que é pertencer.
 
Com o título inspirado em Paris Nos Pertence (Paris nous appartient, 1961), debut cinematográfico de Jacques Rivette, sobre um jovem que ao entrar em uma companhia de teatro acaba por se envolver em uma conspiração política, o Rio Nos Pertence, contando com as bênçãos de Julio Bressane, implode de maneira contemplativa as formas tradicionais e remete ao filme de Rivette no sentido de pacto com o desconhecido, com o que não se pode compreender, com o que não se tem dimensão.

O cartão postal com a inscrição “O Rio Nos Pertence” é um detonador da paranoia de Marina, onde Pretti soube apropriar de um medo urbano à la Polanski e criou uma espiral de perturbação, desespero e flutuação dramática possível de sua abertura significante no campo do cinema, onde superfícies capturadas que se sobrepõem e se sucedem e se confrontam com os dilemas profundos e intraduzíveis expressos nas leituras de cartas, poesias e vozes off; com imagem vaga e som diluído, a presença invisível por trás de cada fotograma torna O Rio Nos Pertence dinamite branda, que nos arrasta, prende, transforma e liberta sem que nos demos conta, nos tornando parte integrante da obra, como agentes ativos de uma transformação de expressão, com o gênero se dissipando e caminhando para o subconsciente, em um contato entre o social e o íntimo, entre o um e o outro, entre o que pode significar e o que é significado – quanto mais subjetivo o filme é, quanto mais fala sobre eu, mais o mesmo parece pedir a participação do pronome “nós” em sua compreensão e leitura. E além da iniciativa ousada em modos de produção, o formalismo radical da Alumbramento figura apenas como um dos muito motivos que tornam a Operação Sônia Silk como uma das iniciativas mais interessantes do cinema recente.

Comentários (2)

Eduardo da Conceição | segunda-feira, 07 de Outubro de 2013 - 23:08

Saindo dos feitos artísticos do filme, é ótimo ver o orçamento dele. Fazer cinema no Brasil é difícil, mas para tornar ao menos viável, é necessário ir fazendo esses cortes, mais filmes q não dependem do governo e com um orçamento pequeno, assim até um retorno financeiro é possível.

Reno Beserra | terça-feira, 08 de Outubro de 2013 - 07:48

que massa, um dos caras da alumbramento fazendo um filme de tamanha expressão. (e ainda sozinho haha).

Faça login para comentar.