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Roda Gigante

(Wonder Wheel, 2017)
7,0
Média
108 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Irregular conversa sobre perdas diárias.

6,5
Tem muitos filmes, homenagens e autorreferências dentro do filme novo de Woody Allen, uma conversa sobre como eternamente enfrentar e superar as perdas. Tipos de luto? Talvez. Mas autorreferência nunca foi um problema para Allen, principalmente tendo em vista seu ritmo nos últimos 40 anos, já que em algum momento falar de si mesmo é necessário e alguns chamarão isso de cópia de si mesmo. Nesse caso nem acho, a proposta que o nova-iorquino abre de cara é muito refrescante mais uma vez. O personagem de Justin Timberlake é mais que "o narrador da vez", ele também é um dramaturgo que sonha em escrever um grande clássico. Enquanto isso não acontece, ele salva vidas em Coney Island nos anos 50. E através desse personagem o filme parece claramente que irá inserir uma espécie de diálogo com o teatro e uma montagem propriamente dita. Pois bem, é só a primeira ideia do filme que fica pelo caminho.

O roteiro de Allen incorre em problemas que eu não lembro de já tê-lo visto incorrer outras vezes. Delineamento confuso de ao menos 3 dos 5 personagens do filme (inclusive a protagonista), diálogos bobos e sem força, ou ao menos sem a verve comum a Woody. Parece que o cansaço de Ginny é fruto não apenas do personagem como também do próprio diretor/escritor, que não tem interesse para domar uma trama até bem simples e sem grandes viradas de narrativa. Em resumo, tudo parece muito jogado, com reiterações em toda a parte inicial num projeto que parecia fadado ao sucesso, e que teria condições para tal mediante sua premissa e seus dispositivos se atração. Só que, de repente, o que vemos é uma profusão de repetições no roteiro de produtos anteriores dele mesmo, até chegar no cúmulo de mesmo Kate Winslet aparentar reproduzir macetes já utilizados por outros atores em filmes do diretor. Isso também não seria algo novo, tendo em vista que sempre temos um alter-ego do mesmo em cena, só que, à parte o imenso talento de Kate, essa marcação parece vir do próprio roteiro.

A fotografia do gênio Vittorio Storaro merece um capítulo só seu. Tendo vindo de um trabalho primoroso para o mesmo Woody (Café Society), esse tri-campeão do Oscar consegue montar um aparato de luzes e cores com o autor e criar códigos e chaves de entendimento do roteiro através da luz, o que em tese seria uma ideia de realização tão incrível quanto a que descrevi acima sobre a produção abraçar uma ideia teatral em sua essência e brincar com isso. Só que como a outra ideia, a belíssima luz de Storaro se perde no meio do caminho também, com os códigos da paleta de cores começarem bem representativos, do azul pálido e do alaranjado cor de fogo, e de repente esses códigos se perderem em sentido e realização. Independente da ideia não ser realizada a contento, o trabalho de fotografia do filme é nunca menos que estupendo e eleva muito o nível do filme, com seus planos absolutamente perfeitos em enquadramentos. A parte técnica como um todo é espetacular, e Santo Loquasto arrebenta mais uma vez na arte. 

Para completar, o elenco de Roda Gigante fica acima do eficiente. Somente Timberlake não sai do lugar, mas Juno Temple está completamente diferente e evoluída como atriz, mais humana e muito menos caricata, James Belushi retoma a carreira com sangue nos olhos e querendo um espaço na indústria num belo momento, além de obviamente a já citada protagonista que vende talento, mas que talvez seja prejudicada em alçar voo mais alto com uma personagem que simplesmente perde o prumo de sua essência, indo além da evolução para uma quase transmutação, passeando por diversos setores da psiquê humana e deixando vaga a necessidade de ser assim do roteiro. Mas tem um ator no filme que passe incólume de problemas: seu nome é Jack Gore e ele faz o filho de Ginny da maneira mais assustada e assustadora que uma criança poderia realizar. Um personagem riquíssimo e que não tenho certeza que Woody saiba o que fazer com ele, mas que vai de mansinho tomando um espaço gigante na projeção.

É uma pena que, pela segunda vez consecutiva, Woody Allen tenha tido problemas para contornar sua construção de narrativa e conseguir achar uma saída para o tanto de subtramas que acumula em cena. Um grupo de personagens que eram excelentes na ideia e acabaram virando rascunhos na tela. O mesmo se repete na representação temática do todo, ainda assim com cenas dignas do melhor Allen, como os dois planos finais, igualmente sensacionais. Mas como um produto grande de talentos pontuais e espaçados, a ideia do filme sobre perdas e como reagimos a ela acaba perdendo a validade e gradativamente o efeito, mesmo nesse pacote luxuoso, cheio de elementos para provocar discussões mais fora que dentro dos próprios filmes.

Visto no Festival do Rio 2017

Comentários (1)

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