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Críticas

Cineplayers

Soderbergh em forma.

8,0
Ninguém acreditava que Steven Soderbergh, de fato, tivesse aposentado sua carreira tão cedo, por mais que o veterano tenha realmente se dedicado a seus trabalhos para a TV desde o suposto canto do cisne Minha Vida com Liberace. Míseros quatro anos depois, entretanto, Soderbergh retorna com algo que lhe parece uma busca pessoal pelo que seu cinema experimental representou ali no final dos anos 80, quando Sexo, Mentiras e Videotape explodiu para o mundo.

Não que Roubo em Família tente ser o mesmo que Sexo, Mentiras e Videotape, longe disso. O primeiro é basicamente um filme sobre o planejamento e execução de um roubo ao melhor estilo Onze Homens e um Segredo (com o qual foi constantemente comparado e diminuído), enquanto o segundo é uma produção tórrida sobre sexo e intimidades. No que concerne a estes dois filmes, representantes do início e da contemporaneidade de Soderbergh, a semelhança que enxergamos está na revisão de gêneros proposta por meio de uma super produção com jeitão de épico modernoso sobre sua própria ambientação, algo não muito distante das maiores experimentações da carreira de Soderbergh como Confissões de uma Garota de Programa, Contágio e Terapia de Risco. Confundir Roubo em Família como um mero exercício convencional de fórmula e estilo seria bobagem.

Pois Soderbergh, antes de tudo, prioriza sua construção através do que não é usual a este gênero: diálogos econômicos e constantemente corriqueiros e que se confundem com a arquitetação do plano, personagens excêntricos porém de postura estática, uma desglamourização do estereótipo caipira que o roteiro de Rebecca Blunt adota para si;  o filme de Soderbergh é como uma bomba prestes à explodir, uma brincadeira sacana com expectativas e que está ali muito mais interessada na dicotomia entre seus personagens referenciais e a figura loser do caipira estadunidense. E é prazeroso notar como Soderbergh comanda seu elenco com um gosto que valoriza o papel essencial destes incomuns, mas de problemas comuns, e que nos trazem um Channing Tatum mais barrigudo que o usual, Adam Driver com um braço amputado e um Daniel Craig ainda mais loiro e desbocado que, fácil, assume a posição de presença mais interessante do longa.

Interessante ainda notar como Soderbergh e Blunt apoiam grande parte do humor naturalista da narrativa na escassez social, rostos atípicos e moralmente questionáveis os quais o diretor evita mergulhar dentro da aura cool e estilizada que uma produção do gênero abriria portas, o que confere a Roubo em Família uma secura e simplicidade que pegará alguns desprevenidos. E é nesse inusitado que alguns dos grandes momentos cômicos do ano são formados e pensados, e muito provavelmente Daniel Craig explicando os componentes de uma bomba não seria a mesma cena sem Daniel Craig, assim como um inesperado momento com o braço falso de Adam Driver não seria a mesma coisa com o próprio Driver. Sinal de que se tais momentos funcionam, é um sinal de que a mão de Soderbergh encontrou seus efeitos desejados até ali.

Mas não se enganem; mesmo com sua sutileza experimental dentro do gênero, Roubo em Família é tão descompromissado e rocambolesco quanto o mais divertido dos Soderberghs. A brincadeira auto-metalinguística não ultrapassa os limites da pretensão, e o cineasta comprova que se manteve em forma.

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