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Críticas

Cineplayers

Documentário contemplativo e experimental representa uma boa amostra do estilo de um veterano diretor do cinema independente norte-americano.

8,0

Documentário é um gênero que precisa de vitalidade para que se converta em uma experiência estimulante. Filmar tendo-se em mente apenas algum relato que se pretenda documentar e transmitir ao público, confiando em sua mensagem ou denúncia social (quando for o caso), pode resultar em um sentimento anódino em quem o assiste. Felizmente, não é o que ocorre com Ruhr, o último trabalho do diretor norte-americano James Benning, que desde os anos setenta vem desenvolvendo uma longa e profícua carreira no cinema independente, especializando-se em documentários de vanguarda, bastante elogiados por uma parcela da crítica internacional (o seu 13 Lakes foi escolhido um dos cinco melhores filmes da década atual pela influente publicação estrangeira Cinema Scope).

Primeiro filme do cineasta filmado fora dos Estados Unidos (e também a sua estréia na utilização do formato Digital-HD), Ruhr é fiel ao estilo do diretor, concentrando-se em uma observação de tempo e lugar específicos, no caso a região que dá nome ao filme, um dos principais centros industriais da Alemanha (de onde os pais de Benning são originários). São apenas sete planos (que variam de 7 minutos até um de 1 hora de duração), cada um voltado para um aspecto diferente do distrito, enfocando lugares onde aparentemente nada acontece, o que inclui a visão de um túnel com uma estrada e o seu fluxo de veículos, uma fábrica em que se vislumbra o trabalho de aços reluzentes, o trecho de uma floresta com aviões sobrevoando suas árvores, o culto religioso em uma mesquita, um muro em que alguém trabalha com grafite, o enquadramento de uma rua ao final de um dia de trabalho e uma enorme torre que por causa do carvão utilizado ocasionalmente expele uma fumaça espessa se formando e diminuindo e gerando uma nuvem negra ao redor, derivando uma reflexão que ilustra a influência da industrialização sobre a natureza e os fenômenos meteorológicos, com suas poluições visuais e sonoras (o que pode se estender como síntese do filme e da obra inteira de Benning).

É uma experiência que não tem nada de cerebral ou hermética, sugerindo um tipo de fruição que forma um todo puramente sensorial, o que vai depender muito de um olhar e uma disposição do espectador para com os recortes de um mundo que Benning nos apresenta, muito mais interessado no acumulo de detalhes do que de eventos. O seu trabalho é liberar-se dos diálogos (o filme não possui nenhum) e da figura humana para centrar-se na conjuntura do tempo e na filmagem de objetos da natureza (ou criados pelo homem), os quais enganosamente acreditamos conhecer por inteiro. As imagens de Ruhr possuem uma força e apelo muito diretos, mas para se capturar a sua beleza é preciso estar atento às mínimas mudanças no registro luminoso, às mínimas variações ou não-variações no espaço, à meticulosa composição do quadro, à maneira como a câmera estática registra o que vê, em um nível tangível, material.

Exigindo tamanha atenção aos detalhes para que o efeito se faça, é natural para quem imerge em seu fluxo considerar Ruhr um filme hipnótico, que nos mostra como é possível extrair a luz e a cor mais notável e incomum (mas nada exibicionista), como criar planos máximos em que só se mostra o mínimo. Mas, como toda experiência desse tipo, é uma questão de adesão total ou frustração, podendo se transformar em um teste de paciência para quem não ir de encontro a sua proposta. Curiosamente, o filme perde a sua força no segmento em que focaliza de muito perto um grupo de pessoas inteiramente de costas para a câmera no culto religioso, e muitos poderão se queixar que o último plano se alonga além do necessário (praticamente a metade do filme), o que acentua a exasperação provocada pelo conflito perene entre natureza e industrialização exposto na tela.

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