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Críticas

Cineplayers

Ingênuo, filme sobrevive pela força de seu segundo ato.

6,0

Sangue sobre a Neve acompanha a trajetória do esquimó Inuk, que vive isolado em sua solidão glacial. Ele tem um casal de amigos, mas falta-lhe a esposa para “rir debaixo dos lençóis”. A primeira parte da produção, que lhe toma mais da metade do tempo, é um retrato do mundo dos esquimós, com particular atenção a Inuk. Nesse momento, é documentado seu modo de vida, as relações familiares, a caça; enfim, uma amostra do quanto peculiares e ingênuos eram em comparação ao ser humano chamado de civilizado. O filme tem uma mudança depois da jornada de Inuk e sua recém-constituída família rumo às promessas do homem branco. Os acontecimentos que se seguem a essa sequência são fundamentais para estabelecer o segundo momento da narrativa, quando Inuk é considerado um criminoso em fuga.

Essas duas partes distintas em que é possível separar a produção se constituem pedaços diversos. A primeira é em si dispensável; apenas num tempo sem tevê a cabo calharia fazer um retrato com cacoete de documentário sobre o povo esquimó – e parece ser essa a intenção do diretor com tal primeiro ato. No entanto, a fragilidade (ou quiçá a falta) de conflito e a forma pouco humana e muito caricatural com que os esquimós são tratados tornam esse episódio quase um fardo ao espectador; é fácil perder a paciência com todas aquelas risadinhas tolas e cenas que não agem a favor da narrativa. Em certo momento, todavia, parece que esse tom equivocado de exagero vai sendo deixado de lado e os personagens ficam mais humanos. É aí que se encontra material interessante; é isso que justifica assistir a Sangue sobre a Neve.

Do ponto de vista narrativo, vale mencionar também a voz em off que volta e meia surge na projeção. Típico artifício utilizado em adaptações literárias, a narração em off é um pecado do qual o diretor não soube escapar. Aqui, esse recurso tem duas funções: explicar particularidades da vida esquimó e explicitar sentimentos dos personagens; ambas agem contra o filme: a primeira é desnecessária, dado o caráter não-documental da produção, e a segunda é uma forma menos rica de trabalhar a subjetividade do personagem na sua relação com o público. Além disso, o texto da narração é amontoado de lugares-comuns, o que dá ideia de que a obra literária em que se baseia seja de qualidade duvidosa. Para completar: do meio para o fim, o recurso é extinto – sem que haja um fechamento por parte desse narrador, o que torna suas participações ainda mais gratuitas.

Em termos técnicos, a fotografia fica prejudicada pela artificialidade dos cenários montados em estúdio; não que isso comprometa o filme, mas o deixa com uma embalagem que beira o trash – ao menos na primeira parte, quando há excesso de carne crua, sangue a caricaturas. Depois, quando há uma história boa e humana sendo contada, o cenário tosco deixa de chamar atenção, pois há uma relação sendo estabelecida entre público e personagens que se sobrepõe ao gelo falso.

A atuação do elenco de apoio é um elemento de difícil análise. Fica a sensação de exagero na maior parte do tempo, mas talvez seja essa a intenção. De qualquer forma, a maioria deles não convence – e parece que a direção de atores foi descuidada.

Se há tanto a se falar dos problemas da produção, é preciso abordar também os aspectos positivos. O principal deles – e que sobreleva tudo que foi dito até então – é como o filme vai num crescente e tem ótimos momentos do meio para o fim. Quando Inuk se constitui personagem de carne e osso, a trama cresce e envolve o espectador, de forma que se torne difícil ficar alheio à situação do protagonista. Nesse sentido, texto, atuação e direção se unem num esforço narrativo que obtém efeito de alta intensidade dramática.

Para finalizar, Sangue sobre a Neve é um filme que ainda resiste depois de quase 50 anos – se for visto com a necessária conivência. Assim, sua fruição ainda é possível apesar do olhar ingênuo que apresenta.

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