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Críticas

Cineplayers

Allen, definitivamente, não é mais um grande cineasta.

3,0

A decadência de Woody Allen ainda não terminou. Assim como a maioria de seus filmes mais recentes, o novo trabalho do diretor nova-iorquino, Scoop – O Grande Furo, é decepcionante, para dizer o mínimo. Dèja vu seria a expressão correta, pois tudo no filme parece reciclado para pior: Allen como ator está caricato; como diretor, sem força; como roteirista, sem inspiração.

Nem mesmo suas comédias ralas feitas para a DreamWorks, com produção de Steven Spielberg (Trapaceiros, A Maldição do Escorpião de Jade, Dirigindo no Escuro) são tão fracas quanto esse Scoop – O Grande Furo, uma comédia sem graça e muitas vezes constrangedora, em que a decadência do grande artista na tela é algo dolorido de se ver – pelo menos para quem já foi seu fã.

Trata-se de uma diluição de um de seus maiores sucessos e melhores filmes, O Misterioso Assassinato em Manhattan. A trama desenvolve-se da mesma maneira, com uma apenas esforçada Scarlett Johansson no lugar de Diane Keaton. Ela, uma americana estudando jornalismo em Londres, une-se a um mágico atrapalhado e picareta (Allen) para tentar decifrar uma série de assassinatos cometidos pelo serial killer conhecido como o assassino das cartas de tarô, que mata garotas de programa morenas de cabelo curto.

Ela recebe a ajuda de um jornalista morto, que do além, depois de tentar subornar a morte, volta para dar as pistas que levarão a solução do mistério. Os atrapalhados investigadores acreditam que o matador seja um quatrocentão Peter Lyman (Hugh Jackman), um milionário por quem a jornalista se apaixona.

Nada da graça, da leveza e das tiradas certeiras de Manhattan Murder Mystery (1993). Lá, naquele grande filme, Keaton faz uma esposa entediada no casamento que projeta no vizinho suas frustrações: crê que ele tenha matado a mulher octogenária. Como o marido (Allen) não lhe dá atenção, ela segue a estapafúrdia investigação com o melhor amigo dele (Alan Alda), da qual surge uma atração. Hilário e sarcástico como Woody Allen nunca fora antes, há pelo menos uma grande cena, a do elevador, quando se descobre um cadáver.

Em Scoop, nada disso. Tem-se um mingau ralo e sem sabor em que Allen recicla velhos cacoetes e piadas bobas que quase nunca funcionam numa trama de mistério que não convence, tampouco a história de amor (Jackman e Johansson estão, quem diria, mal dirigidos), muito menos a parte da comédia (?). Enquanto o filme caminha para um final previsível, dá-se um anti-clímax total no desvendamento da trama. Quando os créditos levantam, a constatação é óbvia: Allen errou a mão, só que dessa vez feio.

Provavelmente o último bom filme de Allen tenha sido Poucas e Boas, em 1999. Antes deles, a sucessão de filmes menores, mas bem interpretados, na DreamWorks. Como o público americano continuou a se distanciar do cineasta, Allen foi procurar financiador na Europa – o desse Scoop foi a BBC Films. Nada que lembre o último grande ciclo de filmes que foi Maridos e Esposas (92), O Misterioso Assassinato em Manhattan (93) e Tiros na Broadway (94). Daí em diante, a decadência, inexorável.

Houve quem achasse Ponto Final (95) um bom produto. Se comparado a esse detestável Scoop, com certeza o é. Mas lá Woody Allen já havia desarmado sua originalidade em prol das facilidades para o grande público. Em entrevista à revista New Yorker, Allen se dizia embasbacado com o grau de banalidade dos diálogos, com as cenas reiterativas e auto-explicativas que acrescentou a pedido dos produtores para o filme ficar o mais inteligível que fosse, com a absoluta incapacidade de quem faz cinema em acreditar na inteligência do público. “É meu melhor filme”, resumiu o diretor – e boa parte da “crítica” avaliza essa posição.

Scoop é isso ainda mais imbecilóide. Para quem já foi sinônimo de cinema inteligente e de bom gosto, Woody Allen caminha para um fim de carreira melancólico. Mas sua decadência é também a de todos nós. O bom cinema parece que vai mesmo acabar por falta de público à altura dele.

P.S.: só para lembrar a piada final de Manhattan Murder Mystery, quando Allen era ainda um grande cineasta. Seu personagem pergunta à esposa sobre o amigo com quem ela tivera um flerte: “Se tirar a peruca, a dentadura e o dinheiro, o que sobra dele?”. Ela responde: “Você!”.

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