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Críticas

Cineplayers

Um dos mais criativos, originais e insanos filmes de terror(?) dos últimos anos.

8,5

Todo mundo conhece a história: um grupo de amigos decide viajar para um lugar isolado, normalmente uma casa velha à beira de um lago. Há na turma o atleta popular, a garota gostosa e burra, o rapaz que serve como alívio cômico e, claro, a mocinha delicada e virginal. Chegando lá, os jovens logo se entregam às festas, ao uso de drogas e ao sexo, completamente alheio ao mal que os cerca. É quando uma ameaça – que pode ou não ser sobrenatural – decide acabar com a diversão da galera, eliminando-os um a um, do modo mais grotesco possível.

Essa é, talvez, a premissa mais comum do cinema de terror norte-americano, desde A Morte do Demônio (The Evil Dead, 1983) até a sátira Tucker e Dale Contra o Mal (Tucker and Dale vs. Evil, 2008). Praticamente todos os clichês do gênero estão presentes nas histórias que seguem esta estrutura. Não deixa de ser surpreendente, portanto que este mesmo ponto de partida seja a força motriz para um dos filmes mais criativos, originais, inteligentes e divertidos dos últimos anos: O Segredo da Cabana (The Cabin in the Woods, 2012).

Dirigido por Drew Goddard a partir de um roteiro que escreveu junto a Joss Whedon (sim, o mesmo daquele filme sobre a reunião dos super-heróis da Marvel que levou multidões aos cinemas neste ano), a produção conta com um grande diferencial em relação às outras do mesmo gênero: ela tem consciência de seus lugares-comuns. O Segredo da Cabana, de certa forma, faz algo parecido com o que Pânico (Scream, 1996) fez com o slasher, ao brincar com todos os clichês do gênero mostrando como eles, na verdade, são ridículos. Aqui, no entanto, Goddard e Whedon vão mais longe do que Wes Craven e Kevin Williamson. Ao invés de apenas se divertir em cima dos clichês, eles os explicam, oferecendo algum sentido – por mais absurdo que seja – a bobagens como o grupo se separar nos momentos mais críticos, ao fato de a virgem normalmente sobreviver ou à libido sempre à flor da pele dos personagens.

Dessa maneira, a produção trabalha em uma espécie de metalinguagem, sempre consciente das idiotices realizadas pelos seus personagens. Goddad e Whedon, aliás, trabalham isso de forma inteligente, deixando claro para o espectador, desde o início, que eles não estão diante de um filme típico de terror: a cena inicial, o homem no telhado da casa dos protagonistas e o momento com a águia, por exemplo, criam a sensação de que existe algo mais na trama do que a simples viagem do grupo e deixam a plateia intrigada sobre qual o propósito daquilo tudo. Assim, O Segredo na Cabana conquista logo em seus primeiros minutos o interesse do espectador, que acompanha a trama esperando compreender o que realmente está acontecendo.

Nesse sentido, créditos devem ser dados à habilidade de Drew Goddard na condução do filme. O cineasta (que, assim como Whedon, construiu sua carreira na televisão) demonstra completo domínio sobre a narrativa, equilibrando bem as sequências passadas na cabana com aquelas situadas no Centro de Controle, uma tarefa tão difícil quanto ingrata, uma vez que tratam-se quase de duas histórias separadas, com tom e atmosfera completamente distintos – enquanto a primeira é focada no suspense e no horror, a segunda é assumidamente cômica e escrachada, em uma combinação tão díspar que poderia arruinar totalmente a apreciação de O Segredo da Cabana.

Felizmente, Goddard e Whedon sabem utilizar essa peculiaridade de forma a ressaltar o tom de homenagem do filme. Com o apoio da editora Lisa Lassek, o cineasta e o roteirista utilizam de forma exemplar a montagem para ressaltar o contraste entre as duas narrativas: reparem, por exemplo, como Goddard constrói diversas cenas situadas na cabana de forma séria, elevando a tensão pouco a pouco, para, justo no ápice do momento, simplesmente cortar para os personagens de Bradley Whitford e Richard Jenkins se divertindo no Centro de Controle. Isso acontece mais de uma vez durante a produção, mas nenhuma delas é mais representativa do que a cena na qual a Dana, a protagonista do filme, está sendo assassinada por um zumbi; no que deveria ser o clímax, o momento mais intenso da produção, a cena é vista apenas como plano de fundo em uma festa. É uma inversão total de expectativa em relação ao que estava sendo desenvolvido segundos antes, como se o cineasta dissesse: “Relaxem, o filme não é de terror, mas uma grande brincadeira com o gênero”.

O resultado é divertidíssimo, sendo bastante difícil não permanecer com um sorriso no canto da boca ou dar gargalhadas durante O Segredo da Cabana. A forma descontraída como os “controladores” agem (e as apostas são uma ideia genial), as sacadas do doidão Marty (que se surpreende com a burrice dos colegas por estar imune àquilo tudo) e o já citado humor pelo contraponto das linhas narrativas (visto também em um raccord muito bacana de Dana saindo do lago para uma champagne sendo retirada da água) aproximam o filme muito mais da comédia do que do horror. O insano – e incrivelmente divertido – terceiro ato é a prova disso: trata-se de um gigantesco banho de sangue, onde Goddard e Whedon prestam homenagem a quase todo tipo de monstro que já apareceu no cinema, com uma violência cartunesca que é quase uma carta aberta de amor a todos os grandes nomes que vieram antes.

No entanto, por mais divertido que seja cada minuto de O Segredo da Cabana, o que fará o filme ser lembrado é realmente a forma como disseca o gênero. Aliás, Goddard e Whedon não se limitam à cabana, premissa clássica do cinema americano, mas também cutucam produções de terror de outros países e regiões, justificando que existe um cenário adequado para cada cultura (a do Japão, por exemplo, é a do fantasma de uma garota). E é exatamente assim, ao mostrar a razão de existir de cada um dos clichês do terror, que a obra consegue se diferenciar, ganhando força por abraçar aquelas que, normalmente, seriam suas maiores fraquezas.

Contando ainda com uma participação especialíssima de um dos maiores ícones do cinema de horror, O Segredo da Cabana é mais do que uma hora e meia de pura diversão, mas um filme que pode se tornar referência com o passar dos anos. Afinal, Drew Goddard e Joss Whedon deixam uma tarefa ingrata para qualquer cineasta do gênero: como fazer um filme de terror não parecer ridículo após O Segredo da Cabana? É aguardar para ver.

Comentários (14)

Lucas Souza | quarta-feira, 14 de Janeiro de 2015 - 15:05

Esse é 8 ou 80, ame-o ou deixe-o...

Caio Henrique | domingo, 01 de Novembro de 2015 - 12:50

É um filme divertido, mas não pode ser considerado um filme de terror. Tá mais pra uma comédia disfarçada em outro gênero...

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