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Segredos Oficiais

(Official Secrets, 2019)
7,1
Média
20 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Katharine Gun tem segredos

6,0

É sempre especialmente interessante quando, como espectadores, começamos a ver a história que vivemos representada no cinema ou na televisão. O princípio da Guerra do Iraque compõe algumas das minhas primeiras lembranças de eventos históricos globais, portanto, ao ver um filme como Segredos Oficiais (Official Secrets, 2019), vou fazendo conexões entre sua narrativa e as que memorizei sobre a mesma época – quem me falava dessa possibilidade de guerra, os espaços onde ela era discutida e as primeiras imagens da guerra que vi na televisão.

Segredos Oficiais, no entanto, não é só um drama histórico sobre a Guerra do Iraque. O filme é mais próximo até de uma tendência recente de repensar as várias controvérsias acerca de vazamentos de informações de órgãos de Estado (como, por exemplo, o dilema entre interesse público, interesse de Estado e o direito à verdade). Levada ao centro do debate político depois dos Wikileaks, essa problematização já apareceu no cinema em diferentes documentários e filmes biográficos: O Quinto Poder (The Fifth Estate, 2013), Cidadãoquatro (Citizenfour, 2014), Snowden: Herói ou Traidor (Snowden, 2016) e aquele que considero francamente o melhor deles, o curta-metragem de animação Bradley Manning Had Secrets (2012).

Mesmo ambientado em outro momento histórico, Segredos Oficiais pega muito emprestado desses filmes e dessa discussão. Ele se baseia no vazamento de um e-mail enviado ao GCHQ, um órgão de comunicações britânico, em que a estadunidense NSA pedia ao Estado inglês auxílio para manipular alguns Estados-membros da ONU a apoiar a Guerra do Iraque. O vazamento foi da responsabilidade de Katharine Gun (interpretada por Keira Knightley), que levou o documento a um contato no movimento anti-Guerra, eventualmente chegando às mãos do jornalista Martin Bright (interpretado por Matt Smith), do The Observer.

Entender esse filme como uma obra “militante” seria talvez redundante. É muito evidente a posição que ele toma contra a guerra. O que é de fato interessante é o modo como escolhe construir a narrativa para fortalecer essa posição diante de um público de cinema. Katharine Gun é apresentada como uma mulher comum, que por acaso trabalha na GCHQ e percebe, ao receber o e-mail, que há algo de ilegal no seu trabalho e que é levada a ajudar a denunciar essa ilegalidade por um ímpeto moral independente de qualquer vinculação política. Neste mundo anterior ao filme, no entanto, Katharine Gun foi também uma militante que chegou a marchar com o movimento anti-Guerra. Por que é interessante para o longa apagar a militância da personagem e propor a narrativa de uma mulher politicamente autônoma que foi tomada por um dilema moral?

O filme deseja que vejamos Katharine como “uma de nós”. Inicialmente, vemos a personagem acompanhar, embora já de maneira indignada, os desenvolvimentos políticos que antecedem a Guerra na televisão. Talvez por isso se reconhecer no momento histórico que narra, rememorar onde estávamos, com quem falamos, o que vimos faça parte do exercício de assisti-lo, porque nos convida a compartilhar desse lugar com Katharine. Como ela, somos pessoas comuns com algum discernimento crítico; não somos militantes, somos levados a defender algo por um ímpeto moral em favor do que é certo.

Por outro lado, parece fazer uso desse artifício para deixar mais emocionante um evento que talvez não pareça, a princípio, tão cinemático. Há poucos momentos de verdadeira tensão nesse vazamento e nas consequências que isso teve para Katharine. O caso contra ela foi retirado nos primeiros minutos de julgamento, para evitar a exposição de documentos que poderiam comprometer a legitimidade da guerra. Então as cenas que, no filme, tentam criar essa tensão sugerem algo que é inserido de fora mais do que um componente que procede da narrativa que nos é apresentada.

Segredos Oficiais, ainda assim, é intrigante. É possível que ele recupere algo interessante de ser rememorado nesta atual conjuntura histórica. A montagem também o favorece, evitando uma redução dos eventos à narrativa biográfica. Eventualmente, ele tem a sorte de ser mais parecido com ótimos thrillers como Margin Call – O Dia Antes do Fim  (2011) do que com outras cinebiografias recentes. Mas é, realmente, uma sorte eventual. Ao se aproximar do fim, o filme, inevitavelmente anti-climático, parece apenas mais do mesmo. Se Segredos Oficiais nunca chega à urgência pretendida, talvez seja porque o desenvolvimento desse evento histórico não tenha se articulado segundo o que o longa está preparado para produzir como cinema (um cinema de gênero, de suspense, tensão e viradas na trama).

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