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Críticas

Cineplayers

Uma boa premissa desperdiçada em um roteiro que não soube aproveitá-la.

5,0

Falar da escassez criativa de Hollywood tem se tornado praticamente um lugar-comum na crítica cinematográfica atual. Seja sobre o que for o texto, não é difícil encontrar frases ressaltando a falta de ideias originais e a repetição de velhas fórmulas nos filmes realizados nos Estados Unidos hoje em dia. E, mesmo que ocorra certo exagero, é difícil discordar dessa visão. Até quando surgem boas premissas, o desenvolvimento posterior da trama ou a falta de habilidade dos cineastas acaba por jogar tudo por água abaixo. Tome um filme como Sem Limites (Limitless, 2011), por exemplo. Trata-se de uma obra com um ponto de partida interessantíssimo: e se existisse uma droga capaz de fazer com que o ser humano utilizasse 100% do seu cérebro? Infelizmente, a ideia sustenta de forma eficaz apenas um pequeno trecho da produção, uma vez que, na medida em que se desenvolve, o roteiro acaba por se revelar cada vez mais superficial e ilógico.
 
Sem Limites é baseado em um livro de Alan Glynn, e, como é comum em adaptações cinematográficas baseadas em livros, é difícil apontar – para quem não leu a obra original, claro – quais os problemas do texto são culpa do roteiro de Leslie Dixon e quais já estavam presentes na fonte. O fato é que eles existem e prejudicam a boa premissa do filme. Aliás, é exatamente nessa questão, na ideia que serve como catalisadora dos acontecimentos, que Sem Limites realmente consegue dar certo. Se o primeiro ato é eficaz ao apresentar o personagem – ainda que recaindo em clichês, como o do escritor com bloqueio criativo – o cineasta Neil Burger realmente captura a atenção da plateia após Edward Morra experimentar pela primeira vez o NZT. Sempre é interessante acompanhar as ações de uma pessoa inteligente e, quando o personagem começa a descobrir sua nova “habilidade” e passa a utilizá-la, Sem Limites torna-se um filme que realmente parece ser capaz de cumprir as expectativas de sua premissa inicial.

A própria natureza das ações de Morra, por sinal, demonstram uma certa ousadia do roteiro, pois, ao invés de fazer o protagonista usar sua inteligência para ações nobres – descobrir a cura do câncer, por que não? – o filme segue por outro caminho, apresentando-o como um ser egoísta, que aproveita sua situação para enriquecer. Esta opção pode vir a desagradar determinada parte dos espectadores, mas, de certa forma, acaba enriquecendo o filme ao fazer a plateia se questionar sobre o que faria no lugar do personagem: usaria o dom para fazer o bem ou o utilizaria a seu próprio favor, como o personagem? É uma pena, portanto, que o filme jamais se aprofunde neste ou em outros temas mais complexos, preferindo deixar qualquer substância e as boas ideias de lado para tornar um thriller artificial, repleto de lugares-comuns e perseguições típicas de um filme de gênero.

Como se não bastasse o desvio de foco tornar Sem Limites desinteressante, o roteiro ainda se perde em obviedades e caminhos incoerentes, apresentando furos em sua história perceptíveis até mesmo por um espectador menos atento. Ao final do filme, por exemplo, não há qualquer conclusão para a história da mulher assassinada em um apartamento: foi o protagonista ou não? Da mesma forma, é praticamente impossível acreditar que o homem mais inteligente do mundo carregaria TODAS as suas pílulas no bolso do casaco e, de quebra, ainda o deixaria para que outra pessoa cuidasse. E chega ser até ofensivo à inteligência da plateia a cena na qual Morra descobre milagrosamente uma última pílula em um recipiente, mesmo que tenha revistado o objeto várias vezes quando elas acabaram. No entanto, o momento mais patético de Sem Limites talvez seja a sequência de fuga da personagem de Abbie Cornish, quando, mesmo sob o efeito da droga – e, portanto, inteligentíssima –, a única solução que consegue encontrar para escapar de seu perseguidor é usar uma criança como arma!

São momentos como estes nos quais Sem Limites demonstra sua grande fragilidade: a inteligência do personagem parece infinitamente maior que a dos seus realizadores, que fazem escolhas nada condizentes com o brilhantismo do protagonista. É o caso, por exemplo, da necessidade que Burger tem de se exibir desnecessariamente. Em diversos momentos da produção, especialmente quando Morra está sob o efeito do NZT, o cineasta utiliza recursos que, ao invés de realçarem a condição do personagem, surgem apenas como distração, nada acrescentando às cenas. São truques de câmera, de edição e de efeitos especiais, como os flashbacks da ex-esposa do protagonista, as inserções de imagens do corpo humano quando ele ingere a droga e as letras caindo ao seu redor no instante em que realmente consegue sentar para escrever. Por outro lado, Burger também acerta em outras opções: a sequência em que a câmera parece dar zoom eterno, circulando pela cidade, gera um efeito interessante e a cena da briga de Morra com diversos homens funciona, utilizando a montagem de forma eficiente ao mostrar como ele é capaz de reagir e dar os golpes.

Em relação ao elenco, Sem Limites também mantém a sua jornada de altos e baixos – mais por culpa do próprio material do que pelos atores. Bradley Cooper, alçado à posição de astro de grandes produções com o sucesso de Se Beber, Não Case (The Hangover, 2009), exibe carisma e demonstra ser capaz de sustentar um filme de razoável magnitude, mesmo que o seu personagem jamais consiga se tornar realmente tridimensional. E, se o roteiro não ajuda no desenvolvimento do protagonista, não há muito o que se esperar dos coadjuvantes, mais especificamente, Abbie Cornish e Robert De Niro. Cornish é linda e já mostrou ser uma atriz que pode evoluir dramaticamente, mas dessa vez surge em tela apenas como um objeto de desejo de Edward Morra. Enquanto isso, De Niro segue em sua carreira sem esforço, em mais um papel no qual apenas declara suas falas, sem qualquer intenção de construir um personagem. Talvez seja a hora de De Niro seguir os passos de seu amigo Al Pacino em You Don’t Know Jack (idem, 2010) e se voltar à televisão para encontrar papéis com os quais possa demonstrar o seu talento.

Contando ainda com uma narração intrusiva e completamente dispensável, Sem Limites posiciona-se como mais um exemplo da crise de criatividade do cinema norte-americano. Dessa vez, pelo menos, há um bom ponto de partida, ainda arruinado por um desenvolvimento precário e resvaladas do cinema de gênero. Uma pena.

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