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Críticas

Cineplayers

Vidas secas

7,5

O tempo distendido e Tiradentes são uma dobradinha que sempre dá certo, principalmente em documentários. O exemplar desse ano começa nessa seara e passa a ficção em determinado momento, utilizando os personagens reais para ilustrar uma narrativa ficcional, e provavelmente com isso provocar não apenas o espectador, mas essencialmente esses mesmos personagens. Até que ponto a prática desse cinema deixa de influenciar essas vidas reais?

Cinema de fluxo em sua forma mais plena, Sequizagua segue a vida de duas famílias reféns da estiagem no sertão. Se desenvolvendo durante o primeiro terço em esquema de conversas com os integrantes desses grupos e suas rotinas diárias em torno da falta d'água que paralisa suas vidas, o filme só consegue ressignificar esse início ao embarcar para outro registro, quando os personagens mais jovens assumem a condução e o naturalismo passa a ser minimamente encenado.

Ainda que nada necessariamente singular esteja na pauta do filme, é a delicadeza com o tratamento das ações, seu olhar aproximado e humano com aquelas micro relações, a forma como o filme coloca no mesmo lugar comum aquelas existências e outras de longe dali, que acaba por realçar suas qualidades. No fundo, Vitor e Guilherme são crianças iguais a quaisquer outras, e os sonhos adolescentes de Débora também não são muito diferentes de outros sonhos urbanos.

Mas o diretor Maurício Rezende os filma se importando com o desenrolar de suas atitudes, e com esse olhar carinhoso ampliado efetivamente até os patriarcas de ambos os núcleos, o filme se desdobra de uma produção onde procure e dê valor aos tempos mortos para uma investigação ampla sobre a natureza humana, onde cada um desenvolve seu papel social em igual esfera estando no centro de São Paulo ou no sertão nordestino, com poucas variações comportamentais. Essa é a grandeza e também o calcanhar de Aquiles do filme, que vê sua discussão sobre a situação da região arrefecer com a entrada das motivações humanas.

O filme trabalha em contexto dessa mesma ambiguidade de abordagem em diversas outras seções narrativas, e isso enriquece o roteiro escrito por Affonso Uchoa. O preço da migração, a descoberta do primeiro amor, a relação com a terra e com o que ela pode fornecer a curto e médio prazo, todos os temas se apresentam pra desenvolvimento sempre a partir de um viés amplo de entendimento, sem restringir ao 'acerto' ou 'erro' nenhuma ação; os dois lados da moeda estão sempre presentes. 

O próprio desfecho do longa abre ampla discussão sobre a positivação de signos. Toda saída para o nordestino é a migração? A terra é um modo de sub-existência tão apagado e sem futuro assim para o micro produtor? Com um olhar realista sobre seus personagens e suas transformações, Sequizágua fornece ao espectador um olhar adulto sobre aquelas vidas, irremediavelmente secas, mas que aqui não são paternalizadas ou edificadas. Para além dos belos planos conseguidos por Rezende, como quando Débora é a única a esperar a mãe na travessia ou quando é colocada no canto da tela durante a festa, é o tratamento conjunto entre roteiro e direção que determina o contexto amplo que o filme alcança.

Crítica da cobertura da 23ª Mostra de Tiradentes

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