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Sertânia

(Sertânia, 2019)
8,1
Média
15 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Homens de honra

8,0

Partindo do ato de fabular, Geraldo Sarno abre seu novo longa com o crepitar de uma fogueira em noite enluarada, ao som de uma moda de viola que anuncia o causo de Antão Gavião, braço direito de Jesuíno Mourão, dois cangaceiros juramentados cuja história se desenrola em Sertânia, uma provocação que inicia em lenda e rapidamente se assume como espelho do mundo de hoje. Aos 81 anos, Sarno encara com a coragem dos homens que retrata uma seara que vai debater coronealismo, política, honra e, assunto dos assuntos, o desaparecimento das mulheres em narrativas como essa.

Na verdade o diretor deixa exposta sua intenção em fazer um buddy movie na essência do título, como grandes faroestes do passado já mostraram, até resvalar nos jovens bromances do cinema de hoje, onde o afeto e a admiração entre homens não tem medo de dizer seu nome. Em ambientes repletos de testosterona, em que a presença feminina é reduzida, há um componente de respeito e tradição de postura no tratamento entre esses homens da lei, dentro ou fora dela. Ao declarar esse desvelo uns pelos outros, o filme não se diminui em suas características masculinas, só talvez lide com ela da forma mais clássica possível.

Ainda que todo filme com tais elementos hoje esteja na mira de problematizadores de plantão (cuja crítica filmica geralmente é pífia), esse segmento de filmes atentam pouco para machismo, tendo em vista que eles nem lidam com o elemento feminino, e que tal elemento de fato nem se encontrava na maior parte do tempo. Não há desrespeito com o gênero, ele apenas está pouco representado em cena, ainda que tenham até algumas cenas pontuais na narrativa uma delas, de fato gratuita. Ainda assim, tem um caráter no filme que acaba por relegar esses mesmos homens a uma espécie de massa disforme que não consegue diferenciar relações e comete erros banais, ou seja, despreparados como um todo.

O filme não se furta de apontar uma espécie de gênese das milícias atuais sem resvalar na esperteza narrativa de apenas posicionar elementos modernos em uma construção de passado; de fato os elementos são pertinentes aos acontecimentos, o que nos permite ver um quadro amplo do surgimento de até outras espúrias ligações, entre os poderes estabelecido e paralelo. O roteiro abre essas discussões básicas sem didatismo e com conhecimento de causa.

Apesar de avançar na fábula em um caminho sedutor, como nas passagens da chegada ao mundo dos mortos, o filme não consegue justificar a contento algumas decisões, principalmente no que diz respeito à constante repetição de algumas sequências, como a do tiro em Antão, ou a saída do mesmo de São Paulo para voltar para o sertão, já adulto; são signos de reiteração que nem sempre funcionam, mas que quando contém uma elaboração narrativa caso da pergunta repetidamente feita à mãe pelo protagonista resultam em belo desonrolar de eventos, como o descrito no início do parágrafo. A quebra da quarta parede em determinados momentos soa como uma incógnita que me instiga desvendar. 

Nessa cartografia do comportamento desses homens uns com os outros, que reverbera na sua relação social, Sarno promove um encontro imperfeito (porém sempre impactante) entre o moderno e a mais clássica proposta cinematográfica possível, inclusive permitindo a Miguel Vassy conceber imagens sobrepostas que não apenas encapsulam o tempo passado nesse lugar como confere vivacidade temporal às mesmas, além da própria ideia de dar vida ao pictórico de outrora. É um cangaço com muito respeito pelo seu preâmbulo ser parecer reverente, inclusive ao escolher encerrar seu filme com as imagens que vemos, mulheres tentando tornar estáticas suas existências, e em paralelo não deixar de servir de anteparo para uma masculinidade que se formou tóxica.

Crítica da cobertura da 23ª Mostra de Tiradentes

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