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Críticas

Cineplayers

Adaptado às novas gerações, Jason se torna apenas mais um 'serial killer' do cinema.

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Uma das formas de se apurar o olhar cinematográfico é voltando ao passado e descobrindo como a linguagem veio se consolidando ao longo do tempo, como determinadas obras marcaram suas épocas, seja no âmbito artístico ou cultural. São infelizes, portanto, certas justificativas a respeito de refilmagens, principalmente aquelas que tentam validá-las subestimando o espectador, julgando-o desinteressado naquilo que não é mais contemporâneo a ele.

Sexta-feira 13, o original de 1980, não é nenhuma obra-prima do cinema, não trouxe nenhum novo significado à indústria ou à arte, pelo contrário, foi apenas uma tentativa de ir na rabeira do sucesso de Halloween, de John Carpenter, que tinha estourado dois anos antes e trazido à moda os slasher movies – filmes sobre  assassinos psicopatas enumerando vítimas por onde passavam que muito sucesso fizeram na década de 80.

O grande diferencial de Sexta-feira 13 em relação aos demais é que uma enormidade de continuações foram surgindo e, com estas, foi consolidando a imagem de um dos maiores ícones pop de todos os tempos, Jason Voorhees, o menino que após morrer afogado em um acampamento de férias por descuido dos monitores, retorna do além – com a clássica máscara de hóquei escondendo a face monstruosa – trucidando todos aqueles que se instalam em Crystal Lake.

Mas enquanto a fama de Jason tornava-se maior, a credibilidade da cinessérie ia facão abaixo, com os produtores e roteiristas tentando à todo custo manter viva a lucrativa franquia. O assassino mascarado chegou a viajar no espaço e a encarar Freddy Krueger, o seu arqui-inimigo quando o assunto é popularidade, mas o público há muito já encarava estes filmes como pastiches. A saída encontrada foi dar um novo pontapé inicial à série, remodelar o personagem aos anseios das novas gerações e, obviamente, lucrar muito com isso. E eis então que surge um novo Jason e um novo Sexta-feira 13.

A responsabilidade por este novo “renascimento” pode ser atribuída ao picareta, digo, produtor Michael Bay, cujo currículo constam outras refilmagens do gênero como Terror em Amityville. Ele e o diretor Marcus Nispel já tinham trabalhado juntos em outra refilmagem de um clássico do terror, O Massacre da Serra Elétrica, mas como reviver um grande ícone de outrora, como Jason, sem parecer ultrapassado? O jeito encontrado foi aproximá-lo daquilo que faz sucesso hoje em dia, como a franquia Jogos Mortais.

E aí que reside o enorme xis da questão. Este novo Sexta-feira 13 consegue desagradar tanto aos antigos fãs quanto à nova geração que não conhece o personagem. Os antigos não gostarão de ver um Jason de extrema agilidade, correndo – sim, correndo! – atrás dos mocinhos, preparando armadilhas – sim, preparando armadilhas! – e matando não somente a golpes de foices e machados, mas também amarrando mocinhas sobre fogueiras – sim, amarrando mocinhas sobre fogueiras! Também não gostarão nada de saber que toda a aura sobrenatural do personagem desapareceu, restando apenas uma cena óbvia, a última, para dar motivos à uma sequência, porque nesta nova versão Jason não faleceu ao afogar-se no Crystal Lake, mas sobreviveu com sequelas e permaneceu vivendo escondido no lugar.

Já os adolescentes que nunca tiveram contato com os antigos filmes da série não encontrarão absolutamente nada de novo, pois Jason se torna apenas mais um dentre uma série imensa de psicopatas surgidos nos últimos anos no cinema, e pior, mantém a estrutura já exposta e avacalhada na série Pânico, repetindo os mesmos clichês óbvios.

O roteiro é o mesmo de sempre, com grupo de jovens indo parar nos arredores de onde Jason se afogou. Há um prólogo, resumindo os fatos ocorridos em 1980 – a mãe de Jason enfurecida atacando os monitores –, e mostrando, já na atualidade, o primeiro grupo de jovens a ir ao local sendo mortos um a um. Algum tempo depois, o irmão de uma dessas vítimas sai em busca da desaparecida, enquanto novos adolescentes se hospedam em uma casa das imediações. E o serial killer mais uma vez dará cabo de (quase) todos.

Com um roteiro tão batido, o diretor Marcus Nispel não consegue desenvolver a tensão suficiente para manter o clima de suspense, e a ausência da clássica trilha incidental de Harry Manfredini é um dos seus maiores pecados. Nispel até cria alguns belos quadros com o personagem principal, como quando o personagem está sob o telhado ou às margens do lago, mas peca por reiterar o óbvio: após um dos personagens ser morto à flechada, surge Jason abaixando o arco. Mais desnecessário, impossível, e uma vez mais ajudando a destruir todo o mito sobre o personagem, pois os espectadores (mais os aficcionados) não estão interessados em saber como e porquê, apenas quer ver o ato gráfico em si.

Esses absurdos com a imagem do Jason se seguem com o monstro agora colocando vítimas em cativeiro dentro de seu refúgio, criando até uma pseudopsicologia para o personagem – algo tão bem executado na parte 4, Sexta-feira 13 – O Capítulo Final. Um gatilho dramático para obviamente ligar o prólogo à ação atual e criar algum tipo de surpresa para o espectador, novamente desmantela todo o construído na personalidade do psicopata, pois se o que o move é a vingança contra todos que invadem sua área, não há porquê manter uma prisioneira. Outro ato falho da produção é construir toda uma seqüência sob o ponto de vista das vítimas, com estas observando Jason e, como dizer, seu “cotidiano”. Um completo equívoco.

Aliás, equívocos é que não faltam ao longa-metragem. O espectador é avisado em determinada cena que o perigo que ronda Crystal Lake ocorre dentro de certos limites, e basta não invadi-los para estar a salvo. Logo em seguida, na cena em que o sanguinário finalmente encontra a máscara de hóquei, ele ataca um morador das redondezas em seu local de trabalho, destruindo obviamente a afirmação anterior.

Este novo Sexta-feira 13 surge então para desmistificar ainda mais um dos grandes personagens da história do horror – algo que já vinha acontecendo em aberrações como Jason vai para o Inferno – A Última Sexta-feira e Jason X -, mas aqui resulta ainda mais grave porque a intenção é dar um pontapé inicial a uma nova série. Ainda bem que podemos assistir à antiga, sem ligar para a ganância e falta de respeito alheios. Afinal, como sempre, Jason vive.

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