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Críticas

Cineplayers

O bastão da estabilidade.

6,0
O peso da pretensão saiu de cima de Sicario. O longa original era carregado de pressão, passado por Cannes, indicado ao Oscar, abraçado pela crítica, e além disso dava pra entender que o filme vinha impresso com uma 'autoralidade' que o colocava longe do cinema dito pipoca. Denis Villeneuve e Roger Deakins revestiram o filme com essa pegada menos vazia do que a estreia comum de fim de semana. Por trás desse verniz se escondia um filme com uma proposta, que foi comprada pela grande maioria. O filme não foi um hit de bilheteria, então não dá pra entender como logo a palavra continuação surgiu no ar. Mas ao assistir esse novo capítulo da saga, uma diretriz diferenciada parece dar as cartas.

Se, no capítulo de estreia, a direção de Villeneuve fechou com a luz de Deakins momentos memoráveis de Cinema, e o roteiro de Taylor Sheridan desenhou personagens com inquietações e questionamentos que tiravam a produção de uma zona comum de cinema popular, entretenimento de qualidade mas que carregava uma certa pressão de ser como era - o preço da pretensão -, nesse novo longa, com os personagens já apresentados e o clima estabelecido pelo anterior, a realidade é outra e o ritmo responde com outra roupagem, um filme sem o peso de ser maior que o primeiro. A resposta é com esse produto ágil e de interação fácil, aliadas às interpretações espetaculares de Benicio Del Toro e Josh Brolin, confirmando estar em ano especial da carreira, 10 anos depois de seu ressurgimento.

Mas, contradição: se o longa perdeu em agilidade e despretensão, perdeu o que tinha de único, seu brilho estético. Agora, consegue se apresentar mais dinâmico e com espaço para apresentar cartas mais decisivas, em direção a uma espécie de trilogia, como parece mais natural. O único remanescente do projeto original é o roteirista Sheridan, que desfaz as características anteriores, dispensa momentaneamente a personagem de Emily Blunt, e muda o campo de visão da situação fronteiriça entre o México e os EUA, observando os cartéis de drogas a partir do ponto de vista organizacional humano, e tirando o olhar da mercadoria... ou transformando o próprio humano nela.

Stefano Sollima chega pela primeira em produção americana, depois de extensa experiência na TV da sua Itália, principalmente em Gomorra, onde dirigiu diversos episódios da adaptação do longa de Matteo Garrone, entre outras séries policiais, sua especialidade. Esse é seu terceiro longa e os dois anteriores o colocaram no foco de promessa do cinema italiano, e esse ainda tem a expectativa de se tornar um campeão de bilheteria, principalmente agora com uma pegada mais crua e direta. O foco é na relação entre os personagens de Del Toro e Brolin, e se o roteiro abriu mão da complexidade por conta de já ter desenhado essas personas anteriormente, é trabalho de Sollima enfatizar seus silêncios e explosões, aumentando imageticamente as potências de cada um. Se por um lado uma das novas vertentes é despotencializada com a entrada de uma repetitiva trama de formação criminal na adolescência, do outro o diretor conseguiu em Isabela Moner um rosto forte e vibrante para servir de contraponto aos adultos, e a jovem atriz acaba se tornando o grande trunfo dramático do longa, ao lado dos protagonistas.

Se o diretor não consegue reprisar as cenas antológicas que o primeiro capítulo apresentava, não falta coesão ao novo filme, que claudicava no anterior. O que vemos agora é um produto mais completo e unificado, muito mais concentrado, ainda que sem pontos altos de mise-en-scene. O que acaba unindo de vez as pontas nessa segunda parte é justamente a vontade explícita de que essa seja apenas uma segunda parte, com as ramificações de seu universo expandindo cada vez mais, o que permite um desfecho rico em motivações para um possível próximo capítulo. Agora que já vimos a violência da luta contra o tráfico e os desdobramentos pessoais se interpelarem frente a essa luta, o caminho seguinte deve ser o impacto entre esses dois lados conflitantes, e o destino de uma nova geração destruída em sua formação na gênese, como aponta os dois novos lados apresentados nesse filme consistente, que mantém a saga Sicario em formação, rumo a uma espiral interminável.

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