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Críticas

Cineplayers

Estilizar é poder.

7,5
Vencedor três vezes do prêmio de melhor diretor no Genie Awards, o grande prêmio de cinema do Canadá, por seus filmes Incêndios (2011), Politécnica (2010) e Maëlstrom (2001), Denis Villeneuve constrói, independente do resultado que se possa preferir, um cinema em ascensão. A segurança na condução e construção narrativa é uma das primeiras coisas percebidas em Sicario, que em sua primeira cena, uma simples pavimentação e apresentação àquele universo, dá logo o tom do que vem por aí: o suspense pesado e lento, a extrema violência gráfica pontual dentro do quadro, a montagem oferecendo ângulos e travellings sem nenhuma sutileza durante uma invasão do FBI a um refúgio de traficantes de drogas que tem por função apresentar a personagem ponto de vista, a experiente agente Kate Macy.

Escolhida para acompanhar uma força-tarefa que pretende atravessar a fronteira para desmantelar um cartel de drogas, é por seus olhos que vemos a temática de descida ao inferno ser explorada por sequências que trabalham o universo expectativas com a set-piece que abre o filme: basicamente, o fio condutor do filme costura enormes sequências de suspense onde Villeneuve pode explorar durações de planos, intensidades sonoras, silêncio, pontos de vista, relações entre locações externas e internas, presença ou ausência de violência.

Sicario é extremamente diverso: há longas sequências sem diálogo algum, e longos diálogos que nos localizam dentro de uma trama que dá espaço para um novo protagonista o tempo todo, quando os policiais Matt e Alejandro passam a ganhar mais destaque na trama com seus joguetes sem explicação inicial aparente. Há sequências que intentam um realismo cru - os corpos decapitados filmados em plano geral, e de maneira distante em elevados como se saudassem aqueles que acabaram de entrar no inferno - e outras que valorizam o mais puro efeito cinematográfico em si - o posicionamento na câmera na primeira vez que Alejandro tortura um traficante, que esconde muito mais do que revela, apenas dando indícios sonoros de violência extrema, ou quando invadem um cartel de drogas pelo subterrâneo e assistimos a câmeras ponto-de-vista de soldados usando equipamentos de visão noturna e termovisão, em uma composição visual aproximada a mídias como videogame e simuladores. Um recorte de realidade que também se pretende simulação e ampliação da mesma, com a câmera subjetiva “com efeitos” tornando possível que o espectador encarne “avatares” por um curto período de tempo.

O clima geral de brutalidade é a nova roupa que o velho policial americano veste - temos os personagens anacrônicos, que vivem uma vida praticamente paralela à vida tradicional que se espera; homens e mulheres misteriosos, melancólicos, explosivos e brutais, viciados e imersos em uma rotina violenta da qual não conseguem desligar. Não é uma lógica dicotômica: Sicario dá conta de crimes que acontecem não muito longe de onde os protagonistas vivem, que mostra as garras com a simples aproximação, que não faz questão de lembrar para seus personagens que existe algo além do mote de perseguição eterna de uma guerra que já nasce perdida, dada o tamanho e extensão do poder dos narcotraficantes e seus cartéis. Percebe-se isso nas sequências em que Kate vai ao bar para conhecer alguém e vai para casa com um policial: a lógica próxima e íntima logo vai ser pervertida, mais uma vez, em violência, e os planos próximos e pessoais logo incorporam um ar de claustrofobia quando ela descobre através de pequenos indícios ser um policial corrupto.

Essa compreensão do campo de batalha, de forças opostas em rota de colisão, de ameaça atmosférica que “sangra” através da obra, ora se concretizando através de símbolos, ora sugerida através de índices, mostra a compreensão que Villeneuve tem para significar desejos e pulsões de seus personagens, em um filme onde a missão de caráter transformador possui também um caráter descortinador, onde reviravoltas estão guardadas até o último minuto do filme.

Mas essa multiplicidade ampla é uma corda bamba: é tanto uma vantagem para o diretor explorar possibilidades estilísticas quanto também uma armadilha, como também faz o filme, que trata de uma única missão, perder certa objetividade, com uma demora pela decisão de protagonismo (personagens que levavam a história para a frente no início irão para o pano de fundo, e os pontuais irão ganhando destaque), o que toma tempo considerável de narrativa. Ainda que felizmente não se deixe limitar pelo gênero onde está trabalhando, há também uma certa dificuldade de foco, de onde a reviravolta está nos levando, a utilização de todos os dispositivos estilísticos e narrativos que o diretor lança mão.

Com isso, compreende-se para o diretor que enquadrar, movimentar, utilizar efeitos, é uma forma de poder. A organização narrativa de dubiedade e mistério é a crença na construção de um efeito. E Sicario, com isso, é o fruto de uma obra contemporânea: erigida com um punhado de referências e horizontes em sua base, com dezenas de opções de estilo concebidas e familiares em sua estrutura, Sicario é um filme antes de mais nada sólido e consciente. Talvez até um pouco demais para seu próprio bem, que de tão redondo não parece permitir a si mesmo uma certa “transcendência”, um espírito de desobediência que pusesse mais a história servindo a imagem do que o contrário. Mas o que temos já é o suficiente para chamar a atenção para os novos temas e para as novas estéticas - sem arriscar, mas sem comprometer.

Comentários (6)

Nilmar Souza | quarta-feira, 25 de Novembro de 2015 - 04:10

É isso aí que o Augusto disse mesmo. O miolo do filme é uma salada - fraco desenvolvimento de personagens (e um que só serve de fio-condutor à protagonista), revelações meio abruptas, e a coisa mais problemática - que é a perda de foco, consequente de tudo isso.

Ainda assim gostei bastante, e cresce bastante no final, muito pelo Del Toro. A cena do jantar resume bem a falta de sutileza (que é um dos pontos fortes do filme).

Augusto Barbosa | quarta-feira, 25 de Novembro de 2015 - 21:36

Poisé, curti bastante também, e a estilização que Brum focou é a grande responsável por isso, além, claro, da brutalidade encarada de frente. Del Toro acaba se destacando até porque seu personagem é o que, por fim, acaba sendo o melhor trabalhado - com a estratégia comum de revelação do passado, verdade, mas que foi injetada no momento oportuno para deixar essa cena do jantar no ponto certo: o de ebulição.

O fio condutor é o Josh Brolin, né? É outro que devia ser melhorado. Até entendo a razão de racionarem nas informações dadas ao espectador - nos fazer sentir tão perdidos naquele mundo cão quanto Blunt - o que é uma tentativa de aproximação ao que faz Cormac McCarthy, SÓ QUE este, em No Country e The Counselor, não só trabalha um pouco as qualidades relevantes das personagens, como também, principalmente, mantém no centro alguém com quem compartilhamos o impacto e cuja postura nós compreendemos: Lee Jones e Fassbender, respectivamente. Sem essa empatia total, o filme tropeça.

MARCO ANTONIO ZANLORENSI | sábado, 06 de Fevereiro de 2016 - 12:14

Esse filme é muito bom independente de qualquer comentário, é um filme sobre o tráfico e é óbvio que teremos personagens que ficam "escondidos" como Josh Brolin. A violência não é a temática do filme e sim a tensão em várias oportunidades o diretor poderia ter premiado e expectador com sangue mas preferiu a auto sugestão. Excelente filme.

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