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Críticas

Cineplayers

A Netflix e o encontro das gerações.

6,0
Gigante cada vez maior e mais ambicioso na indústria do entretenimento, a Netflix tem como principal vantagem a intuição e o timing para aderir a modas, tendências e tecnologias que vão surgindo e que mostram potencial de cair no gosto do público. Não à toa percebeu essa onda nostálgica de uma geração que nunca cresceu, de uma década que nunca acabou, assim como percebeu o interesse nostálgico dessa época sobre a geração jovem atual, que apesar de muito moderna e conectada, carece de um romantismo e inocência encontrado nesse universo retrô dos anos 1980 do cinema americano. O resultado são sensações de audiência como Para Todos os Garotos que Já Amei (To All the Boys I’ve Loved Before, 2018), e mesmo sucessos entre a crítica, como Quase 18 (The Edge of Seventeen, 2016), que trazem à memória títulos adorados no imaginário coletivo popular, tais como Gatinhas & Gatões (Sixteen Candles, 1984), Namorada de Aluguel (Can’t Buy Me Love, 1987) e Digam o que Quiserem (Say Anything..., 1989). 

Uma nova mina de ouro, os anos 80 viraram hoje uma grife com apelo de consumo inegável, não somente no terreno das comédias adolescentes bobinhas, mas também na ficção-científica, terror e fantasia, vide fenômenos como Stranger Things (2016 - presente) e It: A Coisa (It, 2017). Mas está na simplicidade narrativa de filmes mais leves o maior atrativo para aquecer o coração dos trintões e quarentões de hoje, assim como cativar a atenção dos mais jovens: o romantismo à moda antiga e a voz dada aos nerds, geeks, introvertidos e desajustados do mundo. Tudo isso se reúne em Sierra Burgess é uma Loser (Sierra Burgess Is a Loser, 2018), uma comédia romântica básica e previsível que agrada justamente por ser assim, e por permitir o sonho do conto de fadas a uma geração cética e cínica demais para se permitir tanto na vida real. O cinema ressume aqui uma de suas principais características: a possibilidade da fuga. 

Se a tecnologia permite ao cinema de hoje uma aproximação impressionante com a vida real, filmes como Sierra Burgess é uma Loser correm na contramão e se valem do que há de mais absurdo e ilógico nos filmes, nas coincidências forçadas e nos sentimentos fáceis. A protagonista está acima do peso, fora do padrão de beleza da sociedade, e por manobra da cruel queen bee do colégio, ela acaba sendo contatada por mensagem por um menino de outra escola, que a confunde com uma líder de torcida popular e perfeitinha. Ao invés de esclarecer o engano, obviamente Sierra vai aproveitar a chance torta que o destino lhe deu de ser notada por um garoto, de ser querida e gostada por alguém, nem que seja através dos artifícios da internet que escondem sua verdadeira identidade. 

A ideia de se gostar de alguém pelo que a pessoa é e não pela aparência física ou status social é o cerne de praticamente todas as comédias românticas adolescentes americanas dos anos 1980 em diante, e em uma cultura que valoriza tanto a imagem em redes sociais é até interessante resgatar um pouco essa mensagem. Ainda que nada disso seja de fato discutido a fundo, o que poucas vezes foi feito nesse tipo de filme, é saudável levantar o tema entre uma geração hoje muito mais bitolada com a veneração das aparências com o advento das redes sociais e suas muitas possibilidades de se esconder atrás de fotos, efeitos e vídeos, na natural ânsia da idade em ser notado de alguma forma. Sierra Burgess é, nesse cenário, o espelho que aponta os defeitos, os desajustes, as inadequações, as inseguranças, ou tudo aquilo que procuramos esconder nas fotos. 

A relação da protagonista com o dream boy Jamey vai iniciar essa discussão, com a insegurança da menina de arriscar se revelar e confiar que os sentimentos dele por sua mágica personalidade vão prevalecer sobre o impacto da descoberta de sua real identidade – e real aparência. Mas o verdadeiro ponto de inflexão da história está na relação de Sierra com a megera Veronica, garota popular do colégio que a coloca nessa situação, mas que depois se revela apenas mais uma vítima desse mundo de aparências e falsas demonstrações de felicidade e plenitude internet afora. Uma aprende a valorizar o que realmente importa com o exemplo da outra e essa desconstrução da característica vilanesca de Veronica acaba por promover uma mensagem positiva de sororidade e empatia. 

Claro que todos esses temas são tratados na esfera mais superficial possível e dentro da configuração clássica dos filmes american high school, mas a sacada da Netflix foi saber escalar com precisão cada ator. Enquanto Lea Thompson (de clássicos do gênero como Alguém Muito Especial [Some Kind of Wonderful, 1987]) e Alan Ruck (o eterno Cameron Frye de Curtindo a Vida Adoidado [Ferris Bueller’s Day Off, 1986]) garantem o elemento mais forte de evocação oitentista, Shannon Purser encarna bem a protagonista desajustada e lembra, em sua postura e carisma, o charme errante de uma Molly Ringwald. Noah Centineo, por sua vez, se revela uma aposta da Netflix com para atrair a meninada, transitando bem entre os arquétipos de galãzinho e esquisitão, com a mesma desenvoltura de um Anthony Michael Hall. O elenco de apoio também contribui e dessa forma a mesma história de sempre é recontada com sucesso, nos lembrando mesmo através dos anos que algumas coisas não mudam e que algumas fórmulas só precisam de uma repaginada de vez em quando apara continuar fazendo sucesso. 

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