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Críticas

Cineplayers

Sidney Lumet volta a nos lembrar de seus tempos dourados, com esse bom filme sobre o julgamento mais longo da história dos Estados Unidos.

7,0

A imensa maioria dos grandes filmes apóia-se em um fator primordial: a capacidade da obra em estabelecer uma identificação entre protagonistas e público. Não importa se os personagens são nerds perseguidos no colégio, esportistas em busca de nova chance, casais atrás do amor ou criminosos; se o espectador consegue torcer para as pessoas na tela, o filme já tem mais do que meio caminho andado para tornar-se, no mínimo, agradável.

Sob Suspeita, último trabalho do consagrado Sidney Lumet, é uma obra que pede do espectador algo que ele jamais faria na vida real: torcer por verdadeiros criminosos – mais especificamente, Jackie DiNorscio. Baseado em fatos reais, o filme conta a história do julgamento mais longo de todos os tempos nos Estados Unidos, quando vinte mafiosos da família Lucchese foram levados aos tribunais de uma só vez. Apesar de cada membro dos Lucchese ter levado seu próprio advogado, Jackie DiNorscio optou por defender a si mesmo. Expansivo e divertido, DiNorscio acabou conquistando o júri com sua maneira excêntrica, para a fúria do promotor e o desespero do juiz.

Há uma questão moral em Sob Suspeita, que já havia sido levantada em diversos outros filmes: é justo o cineasta pedir para o público torcer por um criminoso? A abordagem é diferente, por exemplo, daquela dos filmes de Tarantino: ali, não esperamos que eles se dêem bem ao final. O mesmo acontece em O Poderoso Chefão. Sim, tais filmes são sobre a vida de homens do outro lado da lei, mas não precisamos torcer por eles; com Tarantino, apenas nos divertimos com o absurdo e, na trilogia de Coppola, acompanhamos uma família destinada à tragédia.

Em Sob Suspeita, o caso é diferente. Além de se tratar de uma história real, a narrativa é construída de forma a fazer o espectador ficar do lado de DiNorscio e sua equipe, esperando por um veredito de inocente. De certa forma, o vilão do filme é o promotor. É uma abordagem que pode causar repulsa a alguns, mas que encontra sua justificativa quando se analisa que o filme nada mais é do que a visão dos próprios criminosos sobre o caso. Lumet jamais atesta o fato de os réus estarem corretos em suas atitudes, apenas conta a história a partir do ponto de vista deles.

Assim que se aceita isto, fica fácil para apreciar a obra. Durante o primeiro terço do filme, Lumet imprime um tom leve, transformando Sob Suspeita em quase uma comédia. Realçando a personalidade brincalhona de DiNorscio, a produção torna-se extremamente prazerosa de se assistir, graças também à ótima performance de Vin Diesel.

Muito se falou sobre a presença do astro truculento em um papel sério como este e a verdade é que o ator se sai muito bem. Não é uma atuação digna de prêmios ou que dará um novo rumo à carreira de Diesel, mas a composição do personagem de DiNorscio é extremamente eficaz. Cabeludo e gordo, Diesel assume bem a característica do mafioso em manter um aspecto gozador junto a um constante ar de ameaça. É uma pena, porém, que na cena mais exigente, quando é informado sobre a morte de sua mãe, o ator permaneça com a mão à frente do rosto, impedindo o espectador de analisar sua reação.

Já que entrei nos méritos da atuação de Diesel, é preciso dizer que o restante do elenco também se sai bem. Sob o comando experiente de Lumet, os atores estão à vontade na difícil mistura de comédia e drama proposta pelo diretor, um sinal tanto do talento do elenco quando da habilidade do cineasta. Os destaques ficam para Peter Dinklage como o advogado anão, Alex Rocco, perfeito na calma ameaçadora de Nick Calabrese, e para a rápida e marcante participação de Annabella Sciorra como a ex-esposa do protagonista.

Calabrese, aliás, é um dos exemplos da competência na direção de Lumet. Ainda que a origem de seu ódio por DiNorscio jamais fique clara, esta é bem construída, ganhando força pelo cuidado do cineasta aos detalhes. No discurso final do personagem de Diesel, por exemplo, a câmera enquadra praticamente todo o tribunal. Todos olham para DiNorscio, acompanhando sua explanação, exceto Calabrese. Este, bem ao fundo, quase escondido, permanece encarando o chão, em um sinal de desprezo ao ex-companheiro que pode passar despercebido a muitos espectadores, mas é um exemplo do talento do diretor.

Se Lumet consegue abraçar o espectador no primeiro terço de Sob Suspeita, quando DiNorscio dá deu show no tribunal, o filme acaba perdendo sua força assim que o personagem sofre advertências do juiz. A partir daí, ele limita-se a tentar desempenhar o papel de advogado normal, deixando o showman de lado. O filme perde parte do seu apelo e capacidade de contagiar, apesar de continuar interessante graças à direção firme e ao roteiro inteligente.

Escrito pelo próprio Lumet, T. J. Mancini e Robert J. McCrea, o texto de Sob Suspeita acerta ao não se prender a detalhes do julgamento, o que poderia assassinar o filme devido à quantidade exorbitante de provas e testemunhas. Ao invés, os roteiristas optam pelo enfoque na personalidade de DiNorscio e na influência dele no julgamento, o que é muito mais interessante. Além disso, há bons diálogos, como a frase repetida diversas vezes pelo protagonista ao júri: “I’m not a gangster, I’m a gagster”, cuja tradução perde a força do trocadilho, sendo algo do tipo “Eu não sou um gângster, sou um piadista”.

Sob Suspeita tem diversos pontos atraentes ao espectador. Além de trazer Vin Diesel em seu primeiro papel “sério”, contar uma ótima história real e ter como personagem principal uma figura interessante, o filme ainda marca a volta de Sidney Lumet após vários anos de produções medianas. Em função dos problemas citados ao longo deste texto, Sob Suspeita está longe de ser uma obra-prima, mas não deixa de ser reconfortante ver o responsável por clássicos como Doze Homens e uma Sentença, Serpico e Um Dia de Cão realizar, mais uma vez, um filme realmente digno de recomendação.

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