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Críticas

Cineplayers

Capta bem a essência de Renato Russo, mas resvala em problemas típicos de cinebiografias.

5,5

De uns anos pra cá, o cinema brasileiro tem adotado uma estratégia que a indústria norte-americana já utiliza há décadas: a de retratar nas telas a história de personalidades populares como chamariz para o público. A ideia deu certo. Filmes como Cazuza – O Tempo Não Para (2004) e Dois Filhos de Francisco (2005) levaram multidões aos cinemas, assim como o recente Gonzaga – De Pai para Filho (2012) também foi bem recebido, mesmo que não tenha obtido o mesmo sucesso. Interessado nesse filão, o veterano cineasta Antônio Carlos da Fontoura entrega mais uma cinebiografia de um ícone da música nacional, apresentando a história dos primeiros anos do cultuado cantor e líder do Legião Urbana, Renato Russo.

Escrito por Marcos Bernstein, Somos Tão Jovens começa de forma interessante, com uma sequência de créditos iniciais que apresenta fotos e momentos da infância de cantor. Assim, quando a produção realmente tem início, o espectador encontra o cinebiografado já mais velho, enquanto Fontoura e Bernstein deixam bem claro aquilo que pretendem fazer: não apresentar a história completa de Renato Russo, mas sim retratar apenas um período de sua vida, buscando encontrar a essência de quem era o protagonista ao investigar como ele deixou de ser o garoto estranho e solitário para se tornar um dos nomes mais famosos da história do cenário cultural brasileiro.

Em parte, o objetivo é alcançado. Somos Tão Jovens é extremamente bem-sucedido no sentido de compreender a verdade sobre quem era Renato Russo. Ao se focarem naquele período decisivo para a sua formação, Fontoura e Bernstein constroem um personagem tridimensional, sonhador e introspectivo, vivendo uma série de dilemas. É o tempo em que ele tenta se encontrar, descobrir quem é e como pode alcançar seus sonhos e objetivos. O que se vê sem esforços na tela é o Renato Russo artista, aquele que usa a música como uma forma de expressão, como uma maneira de lidar com seus próprios conflitos e sua indignação perante a sociedade e o mundo que o cerca.

Um dos motivos para que esse mergulho na alma de seu protagonista funcione tão bem é o fato de que o filme também é hábil ao retratar aquele momento da história do país. Enraizados na Ditadura Militar, os jovens da Brasília daquela época encontraram o instante propício para se rebelarem através da arte, questionando os valores da sociedade com a forma de expressão que conheciam: a música. Esse ambiente opressivo foi a fagulha que deu início ao famoso cenário do rock de Brasília, com bandas como Plebe Rude, Capital Inicial e, claro, o próprio Legião Urbana. Mais do que isso, esse foi o ambiente que gerou a inquietação interior e a necessidade de se expressar, aspectos essenciais a qualquer artista, que formariam Renato Russo. Como exposto por Fontoura e Bernstein, Renato não é apenas um cantor/compositor com algo a dizer, mas um filho daquela época. Sem tal cenário, o Renato Russo que o Brasil viria a conhecer talvez jamais existisse.

Mesmo com todos esses elementos trabalhados de forma eficaz, a bela construção do protagonista poderia cair por terra caso não encontrasse um intérprete à altura. Felizmente, Thiago Mendonça está fantástico no papel. O ator não apenas representa impecavelmente a postura, os trejeitos e o modo de falar de Renato Russo, como principalmente consegue encontrar as dores e as dúvidas de seu retratado. O Renato Russo de Mendonça é mais do que uma imitação; é o próprio. Em momento algum o espectador duvida que aquele seja o artista, o que pode ser percebido quando, ao final, surgem cenas do verdadeiro cantor, sem qualquer espécie de quebra da ilusão. É como se fosse a evolução natural da história que vinha sendo contada, um elogio imenso ao admirável trabalho de Thiago Mendonça, em uma composição de personagem nada menos que perfeita.
 
No entanto, se acerta ao captar a essência de Renato, Somos Tão Jovens também sofre com uma série de problemas narrativos. O principal deles – e um mal que aflige boa parte das cinebiografias – é o caráter episódico da produção. Ao inserir diversos personagens e acontecimentos em menos de duas horas de filme, Fontoura e Bernstein encontram dificuldades na coesão da obra, resultando em momentos apressados e outros bastante superficiais. Alguns personagens entram e saem do filme sem muita explicação ou sem ficar claro ao espectador qual a influência real de cada um na formação da personalidade de Renato. É o caso do sul-africano, por exemplo, que jamais é mencionado novamente após retornar ao seu país, ou do suposto alvo de um caso homossexual do protagonista, que também desaparece sem deixar rastro.

O aspecto da sexualidade de Renato, aliás, é outra questão a ser levantada. Somos Tão Jovens, infelizmente, acaba se acovardando diante do tema – o que é imperdoável não apenas pela natureza de seu retratado como também pelo fato de ser um assunto em voga na sociedade atual –, optando por apresentar a relação de Renato com homens apenas através de olhares ou de abraços carinhosos. Da mesma forma, o filme também parece dar “saltos” no tempo, prejudicando a fluidez da narrativa. Algumas situações ocorrem de forma abrupta, sem justificativas para isso: de uma hora para outra, Renato está brigado com seu baterista; de uma hora para outra, Renato deixa de ser punk; de uma hora para outra, Renato e Aninha não são mais os amigos que eram. São acontecimentos que mais parecem conveniências do roteiro, inseridas com o único objetivo de fazer a trama andar, do que algo natural à história, com motivos para ocorrerem.

O mesmo pode ser dito, aliás, dos diversos recursos dramáticos artificiais adotados por Fontoura e Bernstein. Por exemplo, a briga com Ana, citada acima. O fato de ser uma personagem totalmente ficcional (ela é uma amálgama de várias amigas de Renato à época) não seria problema caso Ana fosse utilizada de forma inteligente, mas os realizadores criam um conflito totalmente inverossímil entre os dois apenas para que ela possa retornar exatamente no meio de uma apresentação na qual o artista canta uma música em sua homenagem. É falso, é clichê e é constrangedor. É o que se espera de um filme raso, de uma produção comercial, não de um retrato supostamente verdadeiro de um ícone da música.

Mas essa não é a única mancada de Somos Tão Jovens. A forma como Bernstein insere trechos ou nomes de músicas do Legião Urbana em diálogos, como se tais instantes servissem de inspiração para a composição, soam apenas bobos, assim como alguns diálogos que nada são além de verdadeiras odes à pieguice: “A gente vai perder a banda, mas ele vai perder a alma.” E o que dizer da forma como o filme apresenta os pais de Renato, duas caricaturas que poderiam muito bem ter saído de alguma novela global?

Como se não bastasse, Antônio Carlos da Fontoura faz algumas escolhas bastante duvidosas, como a utilização de uma câmera em constante movimento, irrequieta, sempre próxima ao rosto dos atores. Talvez tivesse o objetivo de transmitir a efervescência da época ou a ebulição do próprio protagonista, mas o resultado é vazio e apenas incômodo. A impressão é que se trata de uma opção narrativa desnecessária, presente apenas por ser uma forma “moderna” de filmar, que fala com o público jovem. Por outro lado, vale ser dito que o cineasta captura bem a energia dos momentos musicais – ainda que, mais uma vez, muito disso se deva a Mendonça, que dá um show assumindo essas cenas exatamente como os momentos através dos quais Renato podia expor toda a sua angústia e fúria.

Prejudicado ainda pela falta de um clímax que encerre a jornada de descobrimento do protagonista, Somos Tão Jovens resulta em um esforço desequilibrado, que acerta muito em diversos aspectos, mas se revela extremamente precário em outros. E não seria surpresa alguma caso algum produtor esperto promova uma reunião do grupo, agora com um certo Thiago Mendonça aos microfones.

Comentários (6)

Luan Castro | terça-feira, 14 de Maio de 2013 - 10:24

Mas também esperar o que de um filme com Thiago Mendonça no papel principal? Sorte teve Cazuza em ter Daniel de Oliveira como intérprete.

Bruno Bernardes | terça-feira, 14 de Maio de 2013 - 13:39

o filme contou com atuaçoes péssimas ( destaque para sergio dalcin como petres).Senti a mesma coisa thaís ,sera se o renato era tao chato assim?infantil , mimado e bobo?Nao vi a genialidade que ele possuia presente no personagem

Renan Fernandes | quarta-feira, 15 de Maio de 2013 - 14:48

Achei a atuação do Thiago Mendonça muito boa, porém o filme tem umas falhas tristes...principalmente quando se trata do restante dos personagens, e o problema principal nem foram as atuações e sim o roteiro, Os personagens simplesmente era afogados no meio da trama e esquecidos...
Outro ponto são os relacionamentos do personagem esse gancho da homossexualidade do Renato seria muito bem tratado na atualidade e eles simplesmente resumiram isso em um trejeito levemente efeminado, olhares e abraços, faltou ousadia.
Gostei, mas deixou muito a desejar...poderia ser bem melhor.

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