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Críticas

Cineplayers

Episódio III – Um novo contexto

8,0

ANÁLISE COM SPOILERS!



A essa altura do campeonato, tudo o que poderia ter sido dito sobre Star Wars: Episódio VII - O Despertar da Força (Star Wars: Episode VII - The Force Awakens, 2015) já foi feito por Rodrigo Cunha e Bernardo Brum em seus textos anteriores para o Cineplayers. As referências, reverências, mitologias, arquétipos, remanejamentos, atualizações, nostalgia, personagens, história, repercussão mundo afora, perpetuação na cultura pop, avanços narrativo e visual, expectativas para os filmes futuros – tudo meus colegas já dissecaram muito bem, tanto para o leitor que ainda não viu o filme quanto para os que já assistiram.

O propósito desse texto é uma análise sobre a colocação do novo Star Wars no contexto moderno do mundo, o que vai além da utilização da tecnologia mais avançada ou da busca pelo equilíbrio entre o novo e o velho. Como todo o filme, os episódios da saga de George Lucas refletem características de seu próprio tempo, sejam elas sociais, políticas ou culturais. Além do esforço dos muitos envolvidos em estar sempre buscando esse link com a realidade identificada pelo espectador, a perspectiva histórica de uma saga que começou na década de 1970 e é retomada hoje oferece involuntariamente uma visão de como o mundo mudou de lá para cá e de como essas mudanças influenciaram o universo de Star Wars. 

Numa análise mais superficial, podemos dizer que sempre se tratou de uma única história, a mais tradicional possível no cerne das ficções: o embate entre o Bem e o Mal. Se antes essa eterna luta da Aliança Rebelde contra o Império refletia uma ideologia de revolução proletária contra a opressão governamental (que muitos veem até hoje como uma pueril apologia comunista) e preservação da democracia, hoje o embate ganha um novo contorno.

Nas duas primeiras trilogias, George Lucas afirmava que muito de sua saga se embasava na História da humanidade, como a ascensão de líderes populares, que sacrificaram a democracia por meio de golpes ditatoriais (como Palpatine), e diretas referências a presidentes como Abraham Lincoln. A manipulação de fatos e eventos, como a incitação de guerras, nada mais eram do que joguetes para permanecer no poder. Não à toa que a trilogia original evoque tanto a ditadura nazista e as misérias da Segunda Guerra Mundial provocadas por Hitler. A República, regime parlamentar que a princípio conseguia manter certa regência de ordem e paz na galáxia, logo foi enfraquecida por movimentos separatistas que fomentaram um golpe (os Sith) e então os lados foram tomados, sendo o lado luminoso da Força representado e dominado pela Ordem Jedi, uma espécie de entidade teológica nesse universo cheio de simbologias de Lucas. 

Sendo assim, enquanto a primeira trilogia trazia um reflexo do rastro de sangue e repressão deixado por governos fascistas ao longo das eras, assim como a luta para se recuperar a liberdade (dando voz aos que combatiam regimes ditatoriais à época, como o do General Pinochet), a segunda trilogia remonta o percurso de ascensão e derrocada da democracia, em um jogo de poder sujo e manipulador. Por ser um trabalho não exclusivamente focado em discutir posições políticas, cabe a cada espectador aplicar nessas projeções suas próprias convicções e interpretações. Da mesma forma, cabia a Abrams dar uma nova roupagem à eterna luta do bem contra o mal, agora em um contexto assimilado pela realidade do século XXI. 

No mundo ocidental pós 11 de setembro, traumatizado por ações terroristas, paranoico diante de uma ameaça cada vez mais real e próxima, os novos vilões eleitos pelo cinema comercial americano têm nome e endereço certo. Saíram de cena os generais comunistas de viés soviético e entraram os líderes militares fanáticos do Oriente Médio, por isso não é surpresa ver que a nova heroína Rey venha de um planeta desértico, assolado por corrupção, esquecido e desprezado na galáxia, onde não há leis para proteger a população diante de um Império que dita as regras de acordo com o que bem entende. Enquanto isso, Finn se revela um stormtrooper desertor que foi raptado ainda pequeno e treinado para matar, remontando o drama das crianças sequestradas por facções terroristas para recrutamento, passando por uma lavagem cerebral até perderem qualquer resquício de sensibilidade humana.

Por último e mais interessante, o misterioso Kylo Ren é aposta dos roteiristas de um vilão à altura de Darth Vader, e para conferir esse peso ao personagem foi criada uma ligação familiar com Han Solo e Leia. Filho de dois defensores da liberdade e autênticos guerrilheiros da Aliança Rebelde, Kylo recebeu de seu tio Luke o treinamento Jedi desde cedo, mas sucumbiu ao lado negro da força, assim como seu avô. Mesmo pertencendo a uma família estruturada e bem esclarecida, ele demonstrou um interesse inexplicável pelo mal (diferentemente de Darth Vader, que tinha lá seus motivos e traumas), como ocorre tanto hoje em dia quando noticiam casos de simpatizantes de organizações como o Estado Islâmico pelo mundo, que abrem mão da liberdade para se oferecerem voluntariamente como defensores das causas fanáticas de grupos terroristas. Sob essa perspectiva, a maldade de Ren tem uma origem interior, sem aparentes motivos ou justificativas, apenas o mal em seu estado mais puro e inexplicável. Não há nele, pelo menos por enquanto, o fator humano latente que encontrávamos em Darth Vader, apenas uma manifestação muito poderosa e sombria do lado negro da força.

A luta do bem contra o mal sempre foi muito categórica na saga Star Wars, sem a complexidade moral que de fato existe hoje em nossa realidade, em que conceitos de “bem” e “mal” podem ser considerados como interpretativos e variáveis. Também nunca foi intenção de Lucas se aprofundar muito nisso, sendo sua saga, antes de tudo, uma deslumbrante e criativa fantasia, além de blockbuster de grande apelo comercial. Sabendo disso, suas sacadas políticas soterradas por tantas outras características mais evidentes podem até parecer pueris, e de fato nem devem surgir em primeiro plano. Mas, como dito no início do texto, formam um retrato de seu tempo presente: os males, medos, costumes, lutas, ideais, perspectivas e novas esperanças.

Comentários (34)

Bernardo D.I. Brum | quinta-feira, 31 de Dezembro de 2015 - 01:28

morto feat. enterrado com o combo de novos comentários hahahahaha

Lucas Nunes | segunda-feira, 04 de Janeiro de 2016 - 23:51

A Vingança dos Sith é muito melhor que O Despertar da Força.

Polastri | terça-feira, 05 de Janeiro de 2016 - 00:15

Os cara arrasta, huahauhauhauahuahua.

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