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Críticas

Cineplayers

Quando a crise também é precoce

6,0

Já um fenômeno estabelecido, a série Stranger Things se encontra em uma posição cômoda que poucas alcançam em tão pouco tempo: a garantia de um retorno de sucesso a cada nova temporada, independente de sua qualidade ou evolução. Hoje mais uma marca lucrativa do que somente um programa de televisão, ela se tornou o carro-chefe a nível mundial do gigante do streaming Netflix. O segredo do ouro não é tão secreto assim e nem exigiu tanto talento por parte dos seus realizadores: era questão de tempo até essa saudosa onda oitentista que hoje toma o mercado de entretenimento americano estourar em algum hit de verão. Calhou de Stranger Things ser a escolhida nessa precisa escolha de timing. E assim como veio com tudo, agora já apresenta um desgaste precoce para uma produção que se encontra somente em sua terceira temporada de vida.

A terceira temporada vem quebrando recordes de audiência e rodeada das maiores expectativas possíveis, dada a evolução bem-vinda que a segunda proporcionou em termos de narrativa. Mas se os leques foram abertos e as sementes foram plantadas, é no mínimo frustrante que agora esse preparo todo vá por água abaixo em oito episódios que só fazem descaracterizar os personagens e incorrer em repetições de fórmulas já usadas nas temporadas anteriores. Pior: em alguns casos, os personagens chegam a ser imbecilizados a ponto de perderem totalmente a relevância.

Stranger Things 3 parte de um gancho bem mambembe e clichê. Uma vez fechado o portal entre a nossa realidade e o mundo invertido no fim da segunda temporada, cabe aos vilões russos brotarem em território americano para tentar reabri-lo, permitindo a passagem do devorador de mentes, que procura por um novo hospedeiro, agora que já foi exorcizado pra fora do corpo de Will Byers (Noah Schnapp). O escolhido é o irmão-problema de Maxine Mayfield (Sadie Sink), o salva-vidas Billy (Dacre Montgomery). Percebendo a volta do monstro, o sensitivo Will avisa a turma de eles precisarão voltar a combate-lo com a ajuda de Eleven (Millie Bobby Brown). Paralelo a essa trama, temos uma Joyce Byers (Winona Ryder) paranoica desconfiando de conspirações comunistas só pelo fato de os imãs de sua geladeira estarem caindo e um Xerife Hopper (David Harbour) simplesmente surtado chutando bundas pela cidade sem mais nem menos.

Enquanto personagens como Hopper e Joyce têm suas características básicas potencializadas a um nível caricatural, e caem em uma subtrama que quase nada acrescenta, outros simplesmente traem sua natureza e parecem escritos por roteiristas que nunca assistiram às duas primeiras temporadas. Max, que era uma promessa, passa por uma feminilização súbita, deixando de ser a moleca-skatista-sisuda para se tornar a amiga que ensina Eleven como namorar os garotos, escolher as roupas mais descoladas e se maquiar. Eleven, por sua vez, deixa de ser uma personagem para ser usada de muleta ou atalho para encurtar as investigações, vencer qualquer obstáculo, até perder sem nenhum motivo os poderes justamente no clímax, quando era interessante para a história criar esse conflito da ausência da paranormalidade dela. Sem nenhuma lógica ou razão, ela simplesmente é manipulada a favor de facilitações de roteiro, mais como um deus ex machina do que como um personagem.

Outros personagens ainda se prejudicam nessa história. Will, interpretado pelo ator mais talentoso do elenco infantil, perde toda sua relevância e parece rebaixado a mero figurante nos momentos de corre-corre, sendo que a princípio despontava com um arco interessante sobre o desapego com a infância. Erica (Priah Ferguson), até então com aparições cômicas pontuais, é promovida a personagem recorrente, mas mal utilizada em um humor forçado e irritante. A inclusão de Robin (Maya Hawke) é até positivo, sendo o núcleo dela com Steve (Joe Keery) e Dustin (Gaten Matarazzo) o mais divertido, desde que se mande a lógica para o espaço e aceite o fato de uma completa desconhecida se voluntariar a invadir uma base russa ao lado de uma dupla que ela nem conhece, com base em um suposto código comunista decifrado por adolescentes que não falam russo. Quem se destaca nesse meio todo é Nancy (Natalia Dyer), a única personagem que ganhou um tratamento coerente, apresentando um amadurecimento orgânico e um arco delicado sobre sua emancipação feminina em um mundo de homens.

A grande moral que os irmãos Duffer passam nessa temporada, mesmo por trás de tantos trancos e barrancos, é sobre a modernidade que ameaça a paz de cidade pequena que forma o encanto e o mistério de Hawks. A chegada do primeiro shopping center local anuncia essas mudanças junto com o prenúncio do fim da infância tão lamentado por Will e tão ansiado por seus amigos Mike (Finn Wolfhard) e Lucas (Caleb McLaughlin). Joyce pensa em se mudar de cidade, os laços ameaçam se desfazer, Hopper teme perder Eleven para Mike, Karen (Cara Buono) teme perder sua família para seus desejos secretos e frustrados, enquanto Max teme perder seu irmão para o devorador de mentes. Na iminência da perda, todos os personagens se encontram – e é uma pena que estejam quase todos perdidos nas mãos de criadores que hoje parecem se importar somente com a colheita dos louros de uma produção que já apresenta o desgaste de uma série longeva.

Comentários (3)

Matheus Gomes | quarta-feira, 24 de Julho de 2019 - 21:58

Temporada péssima. E alguém precisa dizer logo para os roteiristas que a inserção de crianças pseudo-inteligentes e chatas para caramba só torna a obra irritante.

Josinaldo Justino da Silva | sábado, 03 de Agosto de 2019 - 12:44

A minha crítica da terceira temporada foi a propaganda LGBT, do lesbianismo da Robin... Ficou muito forçado e fora do contexto... Talvez, em outro enredo e série tivesse se encaixado melhor!!! Destoou totalmente do roteiro da série.

Alexandre Carlos Aguiar | quarta-feira, 28 de Agosto de 2019 - 19:53

A série virou feira adolescente de fim de semana. Se o nome fosse trocado para "Stranger Things e os Trapalhões num Shopping Center" ficaria mais de acordo. Chatice!

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