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Críticas

Cineplayers

“Não tá fácil pra ninguém”.

5,0

Há certa curiosidade do público que nasce quando um ator é escalado para interpretar um personagem que também é ator. Parece haver certos conflitos dessa relação claramente pessoal de estar interpretando algo que esteja tão dentro de sua realidade, quebrando um pouco a atmosfera ficcional do filme. No cinema, essa situação já rendeu grandes momentos, com destaque para Gena Rowlands e sua Myrtle Gordeon, em Noite de Estreia (Opening Night, 1977), em que uma atriz de teatro outrora grandiosa, começa a enfrentar uma iminente decadência. No caso mais recente do cinema nacional, Super Nada (idem, 2012), há certo interesse nessa interligação do ator Marat Descartes com seu personagem, Guto, e na forma como os dois se comunicam com uma realidade bastante negativa no meio artístico brasileiro.
 
Paulistana bairrista, essa obra passeia por seus cenários urbanos procurando um ambiente para fincar raízes e se desenvolver, mas parece que os diretores Rubens Rewald e Rossana Foglia jamais conseguem criar qualquer laço muito forte com qualquer coisa que seja. Há um claro problema de ritmo, em especial por um roteiro que já começa cansado e pouco promissor, tornando a jornada de Guto bastante cansativa e pouco interessante para qualquer um que não se identifique com a situação do personagem.

Guto é um ator que vive de pontas em trabalhos pouco interessantes, mas que está sempre na luta para conseguir uma chance de crescer. Seu ídolo é o comediante decadente Zeca (Jair Rodrigues), e a chance de conhecê-lo e finalmente dar uma guinada em sua carreira chega quando é convidado para participar do programa televisivo Super Nada, apresentado por Zeca. E nasce desse encontro um ponto em comum bastante difícil de engolir para a dupla: tanto um quanto outro enfrenta a instabilidade da carreira que decidiram seguir. Guto, por ser iniciante e ainda não ter conseguido o grande papel de sua vida, e Zeca por não saber mais como se conectar com seu público e ver seu prestígio começar a murchar.

Em um plano geral, a situação de Guto é uma representação da vida do povo brasileiro, focada nessa rotina cansativa de procuras de empregos, nessa batalha diária para poder se manter. Em um entendimento mais particular, o foco está no âmbito artístico, de como é difícil se manter no Brasil sendo um artista, nas faltas de oportunidades, na falta de investimento e mesmo de reconhecimento – mesmo em uma cidade grande como São Paulo. Tanto que mesmo para profissionais já experientes e reconhecidos, como é o caso de Zeca, nunca é possível se acomodar ou sentir confiança. De uma certa forma os assuntos são bem colocados em pauta pelos diretores, mas a dificuldade está em desenvolver a trajetória de Guto de uma maneira eficiente, capaz de explorar a fundo esses temas. 

Marat Descartes acaba não apenas roubando a cena, mas também o filme todo, com sua atuação dedicada, principalmente se repararmos nessa relação forte de ator-personagem. O próprio Descartes, cada vez mais ascendente no cinema e no teatro, ainda não se tornou um nome tão reconhecido pelo grande público, e sua carreira está longe de ser considerada como estável. Atuou pouco em novelas – as grandes vitrines para atores brasileiros –, e seus trabalhos no cinema nunca foram grandes sucessos de bilheteria, embora alguns sejam excelentes, como Trabalhar Cansa (idem, 2011). Tal como Guto, Descartes ainda tem muito pela frente, e por isso sua participação dentro do filme é, antes de tudo, um envolvimento pessoal claramente evidente em cena.

Mas Super Nada precisaria de mais que um ator competente no comando de toda a ação para poder dar forma à sua mensagem pertinente. Faltou um roteiro mais sólido, um acabamento mais definido, e por isso anda passando tão em branco pelos cinemas brasileiros, ganhando pouca atenção e sofrendo com aquilo que mais critica: a dificuldade de promover um trabalho no Brasil que não tenha tanto apelo comercial. Como o grande Jair Rodrigues exclama no filme, não tá fácil pra ninguém, mas antes de reclamar disso, é preciso aparecer com um trabalho um pouco mais bem acabado que seja capaz de chamar a atenção necessária.

Comentários (2)

Adriano Augusto dos Santos | segunda-feira, 18 de Março de 2013 - 08:25

Quero ver esse,já é curioso pelo Jair.

Incrível como esses filmes são pouco divulgados.

ADEMAR FERREIRA BESSA | segunda-feira, 18 de Março de 2013 - 15:26

🙂Gostei muito da dissertação, conferirei, quando tiver oportunidade de topar com o filme em questão.

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