Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um filme perdido dentro das próprias referências e intenções.

3,0

Na complexa cadeia universal de relações, o que todo mundo acaba vivendo, ao menos uma vez na vida, é a síndrome da aceitação alheia. Os seres humanos precisam dos olhares de aprovação, sorrisos escancarados, cabeças reverenciando a passagem do ser aprovado, aceito, não-discriminado. É essa necessidade que leva Flint Lockwood, personagem principal de Tá Chovendo Hambúrguer, a crer que somente sendo bem-sucedido ele poderá ser aceito e ter o reconhecimento do pai. E somente essa necessidade bastaria para desenvolver essa adaptação do livro de Judi Barret (Cloudy with a Chance of Meatballs, homônimo do título original do filme) para as telas, mas os realizadores estreantes pecam pelo excesso e falham consideravelmente no resultado.

Flint Lockwood é um inventor de fundo de quintal (na verdade, seu QG fica instalado no alto de um amontoado de latarias, resquícios de invenções mal-sucedidas), sempre frustrado na eficácia de suas criações. Tudo que Flint inventa acaba desenvolvendo algum tipo de mutação ou se torna um equívoco completo, normalmente causando danos para ele, seu pai e os demais moradores da cidade pesqueira decadente de Chewandswallow. A cidade, ainda dependente do comércio de sardinhas, é administrada por um prefeito ganancioso, que deseja criar um parque temático a partir da matéria-prima básica do local e atrair turistas desse modo. O pai de Flint deseja que ele trabalhe na loja de sardinhas que possui, mas o filho se sente renegado por não ter a compreensão do pai de que seu real talento é inventar coisas e quem sabe poder beneficiar alguém.

A última idéia “genial” que Flint tem é de uma máquina que transforma água em comida, bastando modificar as moléculas das fórmulas de acordo com o “pedido” da refeição a ser feita. Assim, num acidente meteorológico, a invenção de Flint funciona e começam a chover hambúrgueres do céu. Aos poucos, Flint vai perdendo o controle da própria invenção, passando a ser uma simples marionete nas mãos do prefeito (cada vez mais gordo, com a chuva de comida) e refém do apoio dos cidadãos de Chewandswallow. Do mesmo modo, os diretores Phil Lord e Chris Miller vão ficando perdidos em meio ao emaranhado de informações e citações que acabam criando e se tornam reflexos perfeitos de seu protagonista animado.

Tá Chovendo Hambúrguer começa como um "filme de nerd", passando pelo De Volta Para o Futuro ligeiro, copia um pouco de Todo Poderoso aqui, um tanto de filmes-catástrofes ali, ameaça criticar a postura humana em determinada parte, como se virasse WALL·E, até chegar em Armageddon e lá ficar por quase todo o terceiro ato (com pitadas de Indiana Jones e outras aventuras do gênero). Se torna, desse modo, um filme sem identidade, sem coisa alguma a dizer ainda que tente dizer tudo, atirando para todos os lados. Quando se tem nas mãos a possibilidade de discutir os efeitos do excesso, seja ele qual for, não se deve perder tempo brincando com uma construção bizarra de gelatina (nem com o romance ligeiro entre Flint e a nerd / meteorologista Sam, que além de mal desenvolvido, é perfeitamente descartável) ou amontoando seqüências com propósitos idênticos, mudando apenas a comida da cena anterior.

Existe uma preocupação dos diretores em criar cenas de ação satisfatórias, para que o público que visse o filme projetado em 3D desse pulos nas cadeiras. Em alguns momentos isso é até possível, mas nada que justifique o desleixo narrativo e a sobreposição de idéias. O sucesso do filme nas bilheterias americanas pode ser justificado pela escalação dos dubladores originais, formada por Bill Hader, Anna Faris e Andy Samberg, todos nomes importantes na atual geração da comédia americana. Mas os méritos da escalação comprovam que o foco da produção estava completamente desvirtuado de suas reais possibilidades.
 
Até mesmo o teor político-social que poderia estar embutido na idéia original (se chove comida do céu, a fome no mundo teria fim) é praticamente ignorado, tendo um efeito contrário à galáxia de temas que poderiam ter sido explorados. Para tanto, o filme se queixa de ser o que é, se perde em qualquer um de seus rumos e volta para o lugar comum, que no caso dele é lugar nenhum. A aceitação que Flint tanto desejava lhe é dada de presente, mas não necessariamente pela consciência da tentativa, mas muito mais pelo erro e fracasso alheio. Se isso é uma mensagem que se preze, a Sony deveria realmente dar uma assistida nos filmes da Pixar.

Comentários (0)

Faça login para comentar.