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Tarde Para Morrer Jovem

(Tarde Para Morir Joven, 2018)
5,8
Média
3 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

O Chile íntimo de cada um.

6,5
O ano é 1990. O general Augusto Pinochet acaba de deixar o poder após um regime autoritário que durou 17 anos. Alheia ou quase alheia a isso, Sofia mora com o pai e o irmão nos Andes junto a uma comunidade rural, habitando um descampado seco. Também sonha em ver a mãe, que não vê há muito tempo: em uma comunidade isolada, é atraída por qualquer símbolo de cidade grande, como seu interesse romântico Ignacio, que lhe apresenta não só o sexo e a maconha mas também o desejo de sair dali.

Vencedor de melhor direção em Locarno, Tarde Para Morrer Jovem é um “coming of age” (ou filme de formação, de amadurecimento) parcialmente autobiográfico a partir das experiências de vida da cineasta Dominga Sotomayor, primeira mulher a ganhar o prêmio, e vendo o filme não é exatamente difícil de entender o que chamou a atenção aqui.

A cineasta adotou uma estética de aparência antiga e envelhecida, com a razão de aspecto adotando a janela quadradada e a saturação de cores dessaturada, ao estilo Eastmancolor - e com isso admitiu já de partida o caráter episódico e memorialístico do roteiro: não apenas a narrativa é picotada, sem progressão lógica ou psicológica óbvia, como também sua composição de quadros e a decupagem de planos nunca impessoal, sempre partindo de um personagem como referência para se compreender o todo. Haja visto a abertura, onde uma personagem de início isolada é lentamente reunida com outros em um período de tempo dilatado. O único corte da cena é para visão subjetiva, para  a visão do observador que acompanhamos desde o início. 

Como filme de amadurecimento, um elemento principal que podemos esperar é a transgressão. Além de Sofia, personagens como a menina Clara e o garoto Lucas também são molas mestras para conhecer o Chile íntimo de cada um dos personagens e como são experiência de uma sociedade em transformação a partir de um olhar pessoal. 

Frente ao estilo contracultural de vida dos pais, as crianças desejam naturalmente romper as bolhas dentro das quais foram criadas: Clara explora as localidades procurando a cadela que abandonou, Lucas testa rituais tradicionalmente masculinos e orgulhosos de habilidade e resistência, Sofia abandona pouco a pouco seus costumes infantis e conhecidos e mira para fora dali. Todos filhos de artistas e hippie, os três não parecem ligar muito para as raízes: na habitual apresentação do ano novo, a jovem Clara pede cigarros dos adultos, um amigo seu dança Michael Jackson, Lucas toca com uma banda de rock e Sofia usa do inglês para executar uma música de Sinead O’Connor.

Uma torrente de ideias esboçadas mas nem sempre desenvolvidas ou aprofundadas, Tarde Para Morrer Jovem vive para o seu ato final, o incêndio na floresta que arruina porém transforma velhos paradigmas e reabre algumas chagas daquela comunidade. Na carregadas tintas na ambiência do local, que chega a lembrar os filmes de Lucrecia Martel, Sotomayor une todas as narrativas para mostrar a última vez que aquele Chile encapsulado e ignorado se uniria antes de dissolver.

Concluindo de forma oposta que iniciou, criticando as amarras que nos prendem, Tarde Para Morrer Jovem é um filme que esbanja boas ideias, mas que tem uma duração um tanto excessiva e que poucas vezes diz ao que veio, com seu ato final que esbanja energia exigindo um certo investimento para que seja acessado, visto que apesar de alguns personagens terem um desenho dramático completo, coMo Sofia, outros como Clara e Lucas ficam pelo meio do caminho dos seus ritos de formação. A impressão que dá é que se pretende um filme pelos olhos do jovem, mas no final das contas nem todos os jovens essencialmente importam além da menina quase adulta Sofia e seu balançar entre a vila do pai e a cidade da mãe. Outros engatam em longos diálogos, lembram de memórias e às vezes até explodem, mas voltam à estrutura circular que apenas o final irá destruir para reparar. A contemplação para virar arrebatamento dependeu um tanto de uma instigação constante, de um sentimento de antecipação mais presente e que não se encontra. No final as contas, é esperar que o prêmio também seja um incentivo para que o estilo não vire muleta.

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