Saltar para o conteúdo

Taxi Driver

(Taxi Driver, 1976)
8,6
Média
1438 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Originado de um período sombrio e pesado de Hollywood, é um dos grandes filmes do século XX.

9,5

“Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela
loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo
contato celestial com o dínamo estrelado da
maquinaria da noite”
- Allen Ginsberg

O trecho citado acima consiste no início de um dos poemas mais aclamados do século passado, intitulado simplesmente de “Uivo” – que curiosamente tem a ver com Taxi Driver. É de autoria de Allen Gingberg, poeta da geração “beat”, ou seja, do grupo dos chamados “beatniks”, que, em linhas gerais, consistia em uma classe artística de escritores marginalizados que, por meio de uma arte libertária, distante dos pesados grilhões normativos, exprimia sua visão de mundo oposta aos valores de uma conservadora sociedade americana, de modo a estar alinhada com a realidade das ruas e com a juventude sedenta por liberdade. Enfim, como diz o ditado, “o resto é história”. O poema é de 1956, e esse movimento seria a gênese de toda a revolução cultural que aconteceu nos anos 60 e que, em meados da década de 70, já demonstraria grandes sinais de desgaste, ou melhor, toda a sua deformidade, toda a frustração, todo o amargo efeito colateral daquela festa sem fim – assim como bem disse Lennon com o seu veredicto: “O sonho acabou”. Aqueles anos dourados dariam lugar a uma nova era obscura nos anos 70, de temas pesados e violentos, e assim seria refletido no cinema americano.

É a partir daí que podemos adotar um ponto de vista sobre Taxi Driver, de Martin Scorsese. O filme inquestionavelmente faz parte desse período mais sombrio e pesado de Hollywood, que abandona a leveza de sua era de ouro para tratar seriamente de temas mais seminais – violência, drogas, sexo, caos urbano, solidão, política e novos valores. Já nos fins da década anterior pipocavam títulos como Perdidos na Noite e Sem Destino.  Na década seguinte a lista é quase infindável, indo de M.A.S.H. e Chinatown até o próprio Caminhos Perigosos de Scorsese. De qualquer forma, Taxi Driver é um filme que se inclui duplamente neste contexto. Não somente o filme é um caldeirão de toda a temática que vinha sendo abordada naquela década, como seu protagonista personificava toda a desilusão daquele sonho sessentista, de modo que sua personalidade continha características que simbolizavam todos os excessos da contracultura: era reacionário, obsessivo e anti-social. Não por acaso, o maior nome do movimento “beat”, Jack Kerouac, teve um fim que contava exatamente com esses ingredientes. E que bem foi profetizado por seu colega, como demonstra o trecho do poema acima.

Travis Bickle, o motorista em questão interpretado brilhantemente por Robert De Niro, é mais uma dessas almas perdidas e solitárias sem rumo nos EUA. Ex-combatente da guerra do Vietnã, mal adaptado socialmente, sofredor de insônia, vai procurar emprego como taxista noturno para ocupar seu tempo e fazer algum dinheiro. Consegue o trabalho, tem-se início a sua jornada pelas ruas “sujas” pela madrugada de Nova York.  Sua repulsa por negros, prostitutas, drogados é crescente, ao passo que apaixona-se pela jovem secretária de comitê de campanha de um senador à Presidência interpretada por Cybill Shepherd – sobretudo detentora de uma beleza um tanto ariana.  Desajeitado, ou melhor, desajustado, leva a garota para um cinema pornô. Obviamente o romance parou por ali, o que faz agravar ainda mais o lado doentio de Bickle. Sua “consciência cindida” dá lugar a um perfil de assassino, uma mente obsessiva que quer fazer justiça por meio de um atentado ao senador/candidato. No entanto, no desenrolar deste processo (que inclui um árduo treinamento físico e uma progressiva paranóia), desta busca louca e atípica por redenção, Travis depara-se com a jovem prostituta de 13 anos Iris, interpretada por Jodie Foster.

É no meio desse redemoinho emocional parcialmente baseado na obra “Memórias de Subsolo” de Dostoievski que o personagem pronuncia, sozinho diante do espelho, a que é possivelmente uma das falas mais famosas do cinema: “Are you talkin’ to me? [Você está falando comigo?]. A frase, segundo reza a lenda, foi totalmente improvisada por De Niro. Aliás, diga-se de passagem: que atuação! Simplesmente espetacular a maneira como o ator conseguiu gerar tanta verossimilhança com um personagem tão denso dramaticamente, como ele deixa sutilmente transparecer suas motivações mais genuínas. Ele já vinha com um Oscar por O Poderoso Chefão: Parte II, mas este foi o filme definitivo ao catapultar sua carreira e a do diretor ao mais alto escalão de Hollywood. Para este que vos escreve, De Niro é um dos atores mais geniais do cinema americano, não só por sua capacidade de interpretação e pela maneira como prepara-se intensamente para cada papel, mas sobretudo por sua versatilidade – o que talvez seja mais difícil.

Mas, apesar de toda a paranóia do personagem e do ápice nas cenas de violência, o que fica é a sensação de que Taxi Driver é, essencialmente, um filme sobre a solidão.  Como bem afirma o protagonista em um momento do filme, definindo-se como “um homem solitário de Deus”. Uma solidão acompanhada por um sentimento de deslocamento diante de um mundo de contornos tão perversos e que não propõe grandes expectativas para um cidadão comum.  Não por mera coincidência, o detetive J.J. Gittes (Jack Nicholson) do já citado Chinatown, igualmente só e perdido no lodo do submundo urbano, responde quando perguntado se está sozinho: “Esta não é a situação de todos?”.  Assim como no filme de Polanski, Scorsese aponta o cinema Noir como de grande influência em Taxi Driver. Também como indica a linguagem dos filmes de Godard daquela época como outra influência que converge neste filme. Quanto a sua estética, há ainda a notável e soturna trilha sonora composta por Bernard Herrman, usual parceiro de Hitchcock, que morreu pouco tempo após a conclusão do filme.

Existe um documentário de Scorsese chamado “Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano” (que rendeu um livro também). Nele, o diretor pessoalmente divide os cineastas em três tipos distintos: os “Ilusionistas”, os “Contrabandistas” e os “Iconoclastas”.  Não cabe aqui explicar exatamente a pouco clara e por vezes equivocada classificação, mas certamente Taxi Driver contém elementos do que seria uma obra de cada tipo de cineasta. Ao passo que é um filme de temática pesada e sombria, abocanhou notável bilheteria. Mesmo remetendo artisticamente a um trabalho de cinema de autor, é inegavelmente um produto pop. Da mesma forma, o chocante paria interpretado por De Niro surpreendentemente desfruta de grande popularidade ainda hoje. Há ainda o fama de o filme transmitir um suposto “realismo” cru das ruas (embora talvez em uma conotação equivocada do termo), sendo que, em contrapartida, há um polimento bem “hollywoodiano” no filme. Foi finalista em várias categorias do Oscar, mas foi coroado com premiação na Europa – especialmente no Festival de Cannes, onde ganhou a Palma de Ouro. De qualquer forma, apesar de toda essa dualidade, sem dúvida é um dos grandes filmes americanos de toda a história do cinema, como bem afirma o crítico Roger Ebert.

No entanto, não darei 10 ao filme, por um simples motivo: pessoalmente achei desnecessária a última cena na conclusão do filme, após a seqüência violenta e apoteótica do fim. Sem querer fazer um “spoiler”, creio que não faz sentido o arrependimento de um personagem como o de Besty, nem de caracterizar Travis como herói. De qualquer forma, isto é uma observação idiossincrática – que de forma nenhuma altera a opinião de que estamos diante de uma inesquecível obra-prima do cinema americano.

Comentários (23)

Darlan Pereira Gama | quarta-feira, 02 de Julho de 2014 - 10:26

Bom, quem assistiu aos extras dos Dvds do filme, sabe a verdade sobre o final do filme, Paul Schrader explica muito bem o que ele tentou expressar com a recuperação do Travis. Segundo ele, se inspirou no caso de um caso de luta contra o câncer, onde um homem lutou 40 anos contra essa doença, e esse cidadão foi esquecido não ganhou o devido reconhecimento por sua luta. E transformar Travis em herói foi tipo uma resposta que os verdadeiros heróis não tem o devido reconhecimento. Eu abri até um tópico há um tempo atrás falando essa versão do final nos extras.

Darlan Pereira Gama | quarta-feira, 02 de Julho de 2014 - 10:27

Já era meu preferido e depois dessa explicação do Schrader é ainda mais perfeito aquele final. E esquece essa história de sonho.

Caio Henrique | quarta-feira, 02 de Julho de 2014 - 11:54

Não me recordava desse relato do Schrader. Lembro de um trecho de uma entrevista bastante sincera do Scorsese a respeito do filme que me permitiu, na época, uma leitura mais aprofundada do filme num primeiro momento. Lembro de o assistir na época e não compreender bem o significado do filme(era bastante leigo em assuntos de cinema). Mas o filme gerou certa curiosidade em minha pessoa e logo busquei nos extras do DVD sanar minhas dúvidas. Foi onde encontrei Scorsese declarando que fora uma época muito difícil para ele. Cheio de revoltas com o estado em que ele se encontrava e enxergava na cidade ao seu redor uma imundice que o repugnava. Isso se faz presente na persona de Travis e nele mesmo na cena onde há o diálogo do Magnum .44. Genial. Tem uma história que o Tarantino contou em uma análise em áudio do filme onde o Scorsese tinha planos de assassinar o produtor do filme. Daí tu tira o estado psicológico do cara na época...

Caio Henrique | quarta-feira, 02 de Julho de 2014 - 12:01

Tenho alguns amigos que criticam essa busca pelos autores para compreender o significado da obra. Eles afirmam que seu entendimento deve ser individual e que deve ser preservado desta forma. Concordo com eles até certo ponto. É um fato que uma obra artística não se limita a interpretação que o seu próprio criador tem sobre a mesma, já que a arte transcende está limitação. Mas pesquisar e compreender a motivação, a história por trás dela, não elimina nosso entendimento individual mas, acredito eu, o expande. Não sei se concordam ou não comigo, mas é a minha opinião. Acho válido considerar a resposta do Schrader frente à sua intenção original, mas o filme como arte, ultrapassa esse "limite".

Faça login para comentar.