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Críticas

Cineplayers

O desprezo pelo governo Collor marca um dos primeiros e melhores filmes da Retomada.

8,5

O ano era 1995, o Brasil acabava de se livrar do governo Collor. Walter Salles tem a idéia de expor toda a angústia que passou por ele durante o desgoverno do primeiro presidente eleito pelo povo pós-ditadura militar. Um período marcante para o cinema brasileiro, Collor confisca toda a reserva particular e extingue a Embrafilmes, o Concine, a Fundação do Cinema Brasileiro, o Ministério da Cultura e suas leis de incentivos. Com o fim desses órgãos federais fica quase impossível de se fazer cinema no Brasil chegando a quase sua extinção. O ressurgir deste abalo se deu em 1994, com o filme Carlota Joaquina - A Princesa do Brasil (1994), de Carla Camurati, porém só foi se consolidar de vez e garantir esperanças futuras com o filme Terra Estrangeira de Walter Salles.

Pela primeira vez o Brasil deixa de ser um país de imigração e passa a ser uma nação de emigração, no começo da década de 90, cerca de 800 mil brasileiros partiram para o exterior em busca de uma vida melhor. Este é o contexto histórico no qual Walter Salles, ao lado de sua parceira Daniela Thomas, concretizaram um modo peculiar de se tratar o exílio. Terra Estrangeira é uma visão anárquica de um país subdesenvolvido em plena crise econômica, um país que vive uma utopia social.

A estória pode ser dividida em duas, que com o decorrer do filme se entrelaçam. Temos uma das partes feitas no Brasil, mais precisamente em São Paulo, em um apartamento ao lado do minhocão, figura essencial paulistana e importante para o complexo entendimento do filme. E a outra parte se passa em Portugal, esta na qual se deriva o maior número de cenas e imagens. Na primeira parte do filme, é retratada uma “família” da classe média paulistana, a vida de Paco (Luis Mello), um jovem estudante paulista que sonha em ser ator, e sua mãe Manuela (Laura Cardoso), uma imigrante espanhola que sonha em voltar ao seu lar, a bela cidade espanhola de San Sebastian. A outra parte do filme é vivida pelo casal Miguel (Alexandre Borges) e Alex (Fernanda Torres), dupla conturbada e com uma nostalgia de sua terra natal sem igual. Alex trabalha de garçonete enquanto seu parceiro Miguel oscila entre o trabalho de músico e contrabandista, que além de tudo é viciado em heroína. Com o passar do filme, surgem alguns problemas na vida de Paco e sua vontade de atuar nos palcos vai embora dando lugar a uma louca vontade de conhecer a terra de sua mãe, porém o lado financeiro afeta seus planos, e para resolver isso este aceita levar um objeto contrabandeado para Lisboa. As coisas não acontecem como o planejado, problemas infortúnios o levam para um caminho jamais pensado e neste conhece sua futura amada Alex.

Uma característica marcante do filme é sua contracepção com os gêneros cinematográficos, ora semi-documental, ora noir, algo fácil de ser notado pela influências cinematográficas dos diretores, o uso essencial da imagem feito como Antonioni e o modo peculiar de se tratar o mundo do crime e fuga de Orson Welles. Filmado todo em preto e branco, nos dá uma sensação mais humanística e realista, com uso de imagens reais do presidente e sua ministra econômica Zélia Cardoso de Melo, facilitando o entendimento contextual do período. Excelentes atuações de toda a equipe e com um final surpreendente e bucólico, Terra Estrangeira, passados mais de 10 anos, ainda é com certeza um dos grandes filmes da nova safra brasileira.

Felizmente Walter Salles ressurgiu depois de um filme muito criticado, A Grande Arte. Terra Estrangeira é um grito de desprezo a um período marcante do Brasil. Com uma fotografia sem igual de Walter Carvalho, trilha sonora marcante de José Miguel Wisnick, incluindo a sensacional canção Vapor Barato, na bela voz de Gal Costa, filme vencedor de diversos prêmios muito merecidos, dirigido por um diretor que é conhecido por sua filmografia póstuma, no entanto logo em seus primeiros filmes mostra a qualidade que posteriormente o colocarão como um dos grandes nomes do atual cinema brasileiro.

Comentários (1)

Davi de Almeida Rezende | quarta-feira, 23 de Março de 2016 - 16:31

Tem um erro no texto. O personagem Paco é na verdade interpretado pelo ator Fernando Alves Pinto, e não Luiz Mello.

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