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Terror nos Bastidores

(The Final Girls, 2015)
6,6
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Críticas

Cineplayers

O cinema entre as gerações.

7,0
Quando estreou na segunda metade dos anos 1990, o clássico Pânico (Scream, 1996), de Wes Craven, se propôs a uma brincadeira metalinguística na qual um plot reciclado de jovens sendo perseguidos por um serial killer mascarado não encontrava exatamente o respaldo esperado nos personagens criados pelo roteirista Kevin Williamson. Diferente dos protótipos da loira burra e peituda, do nerd, do atleta popular e da mocinha virgem, Sidney Prescott (Neve Campbell) e cia. já eram muito cientes dos clichês desse tipo de filme e logo se conscientizavam como parte de um novo slasher, recorrendo às regras lançadas lá no fim dos anos 1970 e começo dos anos 1980 para arranjar uma forma de sobreviver ao iminente massacre. A brincadeira deu mais do que certo, deu um novo fôlego aos filmes de terror jovens e ainda traçou um retrato muito interessante sobre o conflito de gerações, o novo sobre o velho, as transformações culturais dentro de uma sociedade ao longo dos anos e como isso se refletia no próprio cinema. Nos anos seguintes, através dessa mesma franquia, Craven e Williamson continuariam refletindo sobre a validade de alguns clichês e a necessidade de uma reinvenção dentro da própria tradição. 

Mais tarde, filmes como O Segredo da Cabana (The Cabin in the Woods, 2012), A Sétima Alma (My Soul to Take, 2010) e Pacto Secreto (Sorority Row, 2009) procuraram, em algum nível, também questionar essas tradições e clichês indissociáveis dos filmes de terror, mas nenhum com muito sucesso, sendo Pânico 4 (Scream 4, 2011) o trabalho recente mais bem sucedido dentro dessa proposta. Uma boa surpresa veio agora com Terror nos Bastidores (The Final Girls, 2015), mais um filme metalinguístico brincando com o gênero, satirizando e aclamando na mesma proporção. Com um plot ainda mais radical sobre um grupo de jovens que literalmente acaba entrando em um clássico do terror dos anos 1980, um misto de Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, 1980) e Acampamento Sinistro (Sleepaway Camp, 1983), toda a ideia de filme dentro de filme permite ao diretor uma visão de dentro para fora no que diz respeito a todo esse universo de banhos de sangue, facões, férias escolares, sexo e morte. 

Termina por se mostrar um estudo muito divertido sobre a atual geração jovem diante das antigas regras e tradições dos slashers: capaz de reconhecer, porém não mais disposta a se encaixar ou se conformar com elas. A subversão faz pare do novo, do jovem, e romper com a tradição moral da virgem sobrevivente, ou final girl, é um meio de adaptar a fórmula para um cinema mais contemporâneo, ainda que muito saudoso e preso a algumas estruturas antiquadas, como o próprio plot do grupo de adolescentes perseguido por um serial killer vingativo. É uma pena que muito disso se perca ao longo do caminho, como a boa sacada de confrontar a atual geração pós-moderna com as inúmeras passagens e mensagens machistas e misóginas tão comuns nos slashers oitentistas. Em determinado ponto, por mais que tanto prometa combater todas essas tradições, Terror nos Bastidores acaba sucumbindo a todas elas, talvez por deixar seu lado nostálgico falar mais alto ou simplesmente pela falta de um Kevin Williamson no roteiro. 

O curioso é a total falta de compromisso em ser um filme de terror como Pânico foi, por exemplo. Seu interesse é apenas na brincadeira metalinguística, tanto que não há a preocupação na criação de uma atmosfera ou sequer é dada muita atenção para a figura do assassino. O verdadeiro foco é o núcleo da relação de uma mãe e uma filha. Max (Taissa Farmiga) perdeu sua mãe, Amanda (Malin Akerman), em um acidente de carro. Mas agora, dentro de um filme dos anos oitenta que foi estrelado por Amanda quando jovem, Max tem a chance de vê-la de novo, tocá-la de novo, conversar com ela de novo, mesmo que naquela realidade do filme sua mãe seja a personagem Nancy, uma monitora de acampamento que está reservada pelo roteiro a morrer logo após entregar sua virgindade ao atleta forte e burro do elenco. Conforme desvenda e se aprofunda na relação, Terror nos Bastidores fecha os arcos de suas protagonistas e se vira para o cinema como um meio de manter vivas as pessoas que já se foram, exaltando esse lado nobre e quase espiritual da arte, ainda que toda a discussão seja mantida apenas na superfície. O passar do tempo sempre cobra seu preço e muitos filmes acabam envelhecidos e presos a uma época que talvez nunca mais venha a ser totalmente compreendida por futuras gerações, mas muitas vezes cabe ao cinema manter a mágica cristalizada desses anos prevalecendo firme e forte em suas imagens capazes de nos transportar tão fácil para outra era.

Comentários (2)

Bruno Kühl | segunda-feira, 07 de Agosto de 2017 - 00:50

Ótimo texto, Heitor! Reflete muito o que eu achei quando vi, um filme divertido e com seus momentos, mas sem o calibre ou talvez sem a ambição mesmo de ser mais do que uma brincadeira despretensiosa.

Só tenho que discordar com o Segredo da Cabana que é sensacional, e aliás Segredo da Cabana > Pânico 4 😎

Paulo Faria Esteves | quarta-feira, 09 de Agosto de 2017 - 20:48

Acredito piamente que este filme seja um dos melhores terrores da sua década - pelo menos o poster está ao nível dos posters-obra-prima dos saudosos anos 70/80. É bom ver uma crítica positiva dos editores daqui para este Terror nos Bastidores. Pena eu ter perdido uma boa oportunidade para o ver.😋

Já agora, a introdução a falar de Pânico está muito boa. E o elogio a Pânico 4 também, esse filme é tão bom que eu vejo-o praticamente como o Pânico da década 2010. *.*

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