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Críticas

Cineplayers

Uma pérola do diretor John Huston, que contou com a brilhante atuação de seu pai.

8,0

John Huston, o homem que lançou Falcão Maltês, o primeiro dos filmes noir, criou também outras pérolas do cinema clássico americano. O Tesouro de Sierra Madre é uma das principais dessas pérolas. Em meio ao desemprego e à falta de oportunidade, três homens com diferentes vidas encontram-se e revolvem tentar a sorte no garimpo, não com o único objetivo de ficarem ricos, e sim terem uma vida digna (e, se possível, ficarem ricos). Howard é o mais experiente deles, já enriqueceu e empobreceu algumas vezes, e gostaria de tentar a sorte uma última vez na velhice, ainda que saiba que a busca pelo ouro é perigosa pode atiçar o que há de pior no ser humano: mesquinharia, falta de confiança no próximo, traição... Essa é basicamente a história de mais um clássico americano que hoje é extremamente bem respeitado pela crítica.

Os personagens são vibrantes, fortes, humanos. A fome da mudança, de uma vida melhor, pode ser sentida em suas expressões, atos e conversas. Quando há pouca esperança para uma vida digna, surge a mineração. Aí entra Howard (Walter Huston, que é pai do diretor), a chave que une a todos, a voz da razão, a experiência em pessoa, a quem todos confiam e que traz um sentimento de segurança para a aventura. Seu modo passivo de encarar as sugestões de Fred (Bogart) e Bob (Tim Holt) é a defesa que ele tem contra a fatídica traição. Ele a prevê, desde o início. Mas a esperança fala mais alto, e utiliza seu conhecimento sobre o garimpo para servir de contraponto a suas limitações físicas. A interpretação de Huston ao despertar todos esses sentimentos pode ser considerada simplesmente magistral.

Sierra Madre funciona bem não só pelo talento envolvido. Funciona bem inclusive no emprego da música, que adequa-se, tanto em conteúdo quanto em tom, aos sentimentos dos personagens de forma quase subconsciente, variando entre temas como traição, esperança e heroísmo. A se destacar também é o fato de que o filme desmaterializa um pouco a imagem de galã que outros grandes filmes deram a Humphrey Bogart. Seu personagem é o mais miserável dos três mineradores, humanamente falando, e suas ações durante o filme não são nada coerentes com as de seus outros melhores papéis, onde interpretava detetives másculos (O Falcão Maltês, À Beira do Abismo) ou então ricaços elegantes (Sabrina). Esse fato traz um charme especial e vibrante ao filme, sobretudo para quem é fã do ator.

Outro ponto de força do filme é seu ambiente desolador, que funciona como personagem ativo de O Tesouro de Sierra Madre. Mas do que índios e bandidos, o deserto e a distância pelos quais os três aventureiros atravessarão ferem-nos de forma muito mais eficiente. Essa situação foi muito bem apresentada por Huston, que filmou planos tristes e distantes de Sierra Madre, trazendo um sentimento de isolamento magnífico ao longa-metragem. A verdade é que os personagens viviam em constante agonia, seja na pobreza da cidade ou na desolação do deserto. Não existe um minuto sequer de conforto, e isso torna a experiência ainda mais forte.

Sierra Madre também funciona não somente pelo desenvolvimento de seu roteiro (adaptado de romance de B. Traven) com relação a seus personagens. Ele tem elementos que tornam o filme divertido e excitante de se assistir, podendo ser confundido com um faroeste (até porque o gênero estava com tudo àquela época): há bandidos, polícia, tiroteios, o filme se passa no México... Não é um western puro, mas tem o sentimento de um bom clássico de John Wayne, e às vezes abandona a conversa séria para tentar um humor leve, que na maioria das vezes combina muito bem com o restante do filme.

Naturalmente, por ser dos anos 1940, Sierra Madre tem algumas características que hoje podem ser desprezadas. Parte dele envelheceu. Um bom exemplo disso são algumas ações dos personagens, que são precipitadas e inocentes demais, mesmo àquela época. Há uma sensação de pressa em determinados acontecimentos, que fragilizam as performances, como o fato da rebeldia excessiva e aparentemente sem motivos de um dos personagens quando tudo estava se encaminhando para seu fim de forma muito correta. Em contraponto, devemos nos colocar no lugar dos personagens, o tanto quanto for possível. Dessa forma ficará mais fácil dar razão a eles, ainda que não concordemos com as suas atitudes. É um filme com um senso de moral bastante apurado, que mostra o melhor e o pior da natureza humana, de forma bem coerente, o que torna justificável a fama do filme, tantas décadas após seu lançamento.

Walter Huston, o pai do diretor, acabaria vencendo o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante no ano seguinte pelo seu trabalho no filme. Seu filho acabaria levando o Oscar de Melhor Roteiro e de Melhor Diretor. Três premiações que resumiriam muito bem a importância e as qualidades que o filme teve e tem até hoje na história do cinema. Não é fácil marcar época. Mais difícil ainda é o fazer mais de uma vez. Huston conseguiu, e de forma praticamente brilhante, com a ajuda de seu pai, que marcou o filme com uma das mais brilhantes atuações daquela década, ao lado, é claro, do eterno Bogart.

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