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Rapazes da Banda, Os

(The Boys in the Band, 2020)
6,0
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Críticas

Cineplayers

Inquietações entre quatro paredes

7,0

Há quem diga que o texto de Mart Crowley para seu célebre espetáculo teatral The Boys in the Band (2020), montado em 1968, possa soar datado para a contemporaneidade, mas vejamos: gays, lésbicas, transgêneros e outros grupos deixaram de encarar seus problemas sociais? A homossexualidade é abertamente aceita pela sociedade em 2020? O racismo estrutural deixou de ser alguma verdade no meio gay? A heteronormatividade deixou de ser um elemento de agressão e repressão a esses grupos? Ora, as respostas para tais questões são tão óbvias quanto qualquer outra, e, visto que a releitura teatral produzida por Ryan Murphy para este mesmo espetáculo em 2019 saiu agraciada com elogios, aplausos e alguns Emmy debaixo dos braços, não é como se pudéssemos dizer que The Boys in the Band não carrega força para alguma repercussão na nossa era moderna.

E esta história possui, no mínimo, um detalhe peculiar nas passagens que teve pelo cinema: em 1970, quando William Friedkin dirigiu a primeira (e pessimista) adaptação da peça, esta não apenas trouxe o mesmíssimo elenco que a encenava nos palcos da Broadway, mas contou com um roteiro do próprio Crowley. Em 2020, Murphy não apenas igualmente contou com um novo roteiro do autor da peça, como também resgatou todo seu elenco dos palcos para carregar a adaptação, assim como o diretor Joe Mantello, também responsável pela direção na remontagem da peça. A novidade? Pela primeira vez, todos os personagens são interpretados por um elenco abertamente gay, decisão extremamente coerente e alinhada com tudo o que há para ser sentido e interpretado em The Boys in the Band.

A premissa, partindo de um ponto quase banal pela simplicidade, abriga nove homens no apartamento de Michael (Jim Parsons) durante uma festa de aniversário para Harold (Zachary Quinto). Após a chegada inesperada de Alan (Brian Hutchison), amigo hétero de Michael ao apartamento, e algumas alfinetadas pontuais entre os personagens no início da festa, todos se deparam com verdades dilacerantes sendo botadas para fora e conflitos internos vindo à tona, algo que dará novos rumos para os objetivos iniciais da festa.

“O que é pior do que uma mona imitando Judy Garland?”

Os pontos-chave para The Boys in the Band são óbvios, tendo em vista a proposta de espaço limitado: o texto, a encenação e o trabalho de elenco. Em relação ao primeiro, Crowley atualiza tão pouco em relação ao que escreveu originalmente que, mesmo após 52 anos, impressiona (e não é pouco) as inúmeras vertentes sobre a homossexualidade masculina abordadas durante as duas horas de projeção: medo da velhice, não-monogamia, os diferentes conflitos entre ser discreto e ser afeminado, a não aceitação, a prostituição… temas embalados à beira do início da libertação sexual dos anos 70 e que, meio século depois, ainda carregam tantos pontos de identificação, tal qual nos colocar frente a um espelho. O texto manteve, sim, sua força.

Em relação ao segundo elemento, seu elenco, o conforto de (quase) todos os intérpretes dentro de seus respectivos papéis é tão notável quanto a interação delicadamente intimista entre eles, uma compreensão de como cada homem naquele espaço se alia ao outro que, muito provavelmente, veio da experiência nos palcos. E em particular, é Jim Parsons, depois da presença gigante na minissérie Hollywood (2020), também de Murphy, que novamente se posiciona como uma presença explosiva, maledicente, agressiva, daquelas das quais estamos sempre esperando pelo próximo passo, pela próxima fala que irá cortar rente à carne de alguém. Parsons está incrível.

O que nos leva ao terceiro elemento essencial de The Boys in the Band, e que se torna aquele que dilui uma parte considerável da força imagética do filme: o trabalho de encenação. Sem grandes experiências atrás das câmeras, o diretor Joe Mantello não encontra dificuldades em levar a linguagem teatral para a tela, mas é tão estático que cambaleia justamente quando precisa aliar com a linguagem cinematográfica e, como resultado, tudo parece menos dinâmico e estimulante em relação à adaptação feita por Friedkin. Da mesma forma, há uma incômoda rigidez na maneira como o tom da direção trabalha para que alguns dos atores se sobressaiam em relação a outros (notem como Matt Bomer corre o sério risco de soar quase dispensável), o que causa ainda mais estranhamento diante da caracterização carregada de Zachary Quinto. Ao tentar evocar certo ar de magnetismo (afinal, a festa que reuniu aqueles homens é para ele), Quinto somente deixa clara a fragilidade dessa mesma caracterização na qual o ator, repetindo as mesmas expressões de papéis vilanescos que marcaram sua carreira, apenas o insere dentro de trejeitos afeminados que tornam Harold a figura mais distante do longa, prometendo muito quando entra em cena, mas deixando pouco de memorável ao sair dela. Isso sem falar nos flashbacks intrusivos, que momentaneamente nos dispersam de uma cena importantíssima para todos os personagens.

Uma mona imitando Bette Davis.

De qualquer forma, o verdadeiro estímulo dessa releitura de The Boys in the Band está na percepção de que não é necessário trazer essa reunião para os cenários modernos, uma vez que os temas, conflitos, angústias e até mesmo o aceno para a esperança deixado pelo epílogo são tão atuais quanto foram 50 anos atrás. O filme de Friedkin certamente é mais marcante pelo completo despudor em abraçar o que há de tóxico dentro do encontro entre esses homens e simplesmente desnudar a verdade, sem criar caminhos alternativos para ela. Mas a releitura produzida por Murphy merece seu respeito pela identidade desse autor, tão decidido em colocar as minorias à frente do que é seu e se fazer tão presente na iniciativa. O mais importante é que todos conheçam e sintam os efeitos inesquecíveis do texto de Matt Crowley.

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