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Críticas

Cineplayers

Mensagem x dramaturgia.

5,0
A abertura e o encerramento do novo filme de Joachim Trier têm planos parecidos, com efeitos que ficam claros e batem cada vez mais forte na memória. Um plano aéreo sobre o campus de uma faculdade, que se aproxima no início e se afasta no fim. A mensagem, dada a trama que se desenrola, parece explicitar a natureza diversa que a distância traz, ao mesmo tempo difusa e ampla. Seres humanos são todos iguais de longe e deveriam assim também o ser de perto, independente do que os faz únicos. Trier então deixa claro de cara que se trata de igualdade sua empreitada pós Mais Forte que Bombas, mas conforme a trama avança duas coisas ficam claras: a primeira é que o filme usará uma certa sobrenaturalidade para discutir a aceitação, inclusive a própria; a segunda é que ritmo não é uma arma utilizada somente pelo cinema americano, tendo em vista justamente a carreira de Trier na Noruega. Pois se sobra um conceito de igualdade em Thelma, falta um propósito que vá além da mensagem.

Com uma duração que gira em torno de 1 hora e 50 minutos, falta charme e desenvolvimento mais amplo à primeira metade do filme. Somos apresentados a Thelma, personagem-título que chegou há pouco à faculdade, longe das asas dos responsáveis pela primeira vez. Retraída, a jovem não se relaciona com ninguém no campus e se comunica diariamente com os pais por telefone, tendo um cotidiano regrado e dedicado exclusivamente aos estudos. 

Trier é um bom diretor e faz usos de aproximações e afastamento de planos para compor o estado de isolamento de Thelma naquele universo cheio de vida, jovem e pulsante. Logo vemos que a protagonista sofre umas espécies de ataques epiléticos toda vez que se aproxima de uma colega de sugestivo nome Anja. Thelma irá ameaçar um desabrochar ao se envolver com a outra jovem, mas assim que começa a tratar e tentar entender seus ataques, um acontecimento extraordinário as afasta e nossa heroína precisará então compreender o estranho todo que a circula. Isso tudo poderia ser mostrado em bem menos de 1h, mas o filme abusa de silêncios, cenas longas e estranhas relações com a natureza, que propõem algo muito mais do que analisam.

Esse inclusive é um dos senões desse filme curioso. Como dito acima, quem já viu qualquer longa de Trier (mas em especial seu melhor filme, Oslo 31 de Agosto) tem ciência de sua capacidade narrativa e da leitura diferenciada e melancólica que ele faz da juventude atual, e aqui não é diferente. Se aproximando do sucesso do ano passado Raw em muitos aspectos e tiques, não em cópia mas numa convergência de ideias que acometeu ele e Julia Ducornau ao mesmo tempo, Trier sai perdendo na comparação. A inventividade temática aqui fica soterrada por tamanha letargia e distanciamento, tornando difícil se aproximar da protagonista Thelma - e, quando o filme parece se propor finalmente a isso, o faz da maneira mais afobada possível, transformando a meia hora final num sem fim de ações, reações e explicações que nunca ficam esclarecidas por completo. Em tese, esse quê de elipse e interdito até é positiva, mas quando soluções narrativas são apenas suprimidas sem qualquer ênfase ou cálculo, o todo fica apenas sem sustentação.

O clima lúgubre por conta da soturna e sussurrada trilha, aliada ao tom cinza dado pelas luzes frias da fotografia, transforma o filme num grande prenúncio de uma catarse que Trier filma muito bem, mas cujo ato seguinte não acontece, ficando a promessa de quase duas horas de duração de uma resolução que simplesmente fica suspensa, com respostas dadas apenas às questões de gênero, que parecem assim serem os focos únicos de seu longa. Ainda que fosse - e ele teria todo direito de escolher assim - a boa dramaturgia pediria para ao menos conduzir adiante as outras indagações que o filme faz; na verdade, o longa vai na direção contrária e larga pelo caminho diversas perguntas, além de deixar frouxas soluções narrativas. O roteirista Trier dessa vez ficou devendo ao cineasta Trier, ainda que o filme tenha tentado criar um senso de universo a ser explorado, mas como o mesmo pareceu mais interessado na premissa que no desenvolvimento, fica a sensação de dever pela metade. 

A última chance de criar empatia no público viria do seu elenco, mas o desconforto parece reger as atuações. A protagonista Eili Harboe parece insegura e inexperiente para um papel tão central, enquanto Ellen Dorrit Pettersen e Henrik Rafaelsen (ele, geralmente um grande ator, excelente em filmes como Blind) interpretam seus pais de maneira mecânica, tanto nos flashbacks quanto no presente. Esses devem ter sido os motivos pelo qual Trier posiciona a câmera sempre de maneira truncada, filmando tudo ou em ângulos diferenciados ou pegando a protagonista realizando ações que desviem a atenção do rosto e do olhar. Se nesse campo o diretor consegue nos fazer apreciar seu cuidadoso comando, porque na hora de uma necessidade ainda mais evidente, como a de dar mais saídas a um roteiro tão cheio de passos em falsos não consertados e caminhos esburacados, Trier não teve esse mesmo cuidado? Proposital, talvez... infelizmente, sua montagem nem conseguiu dar vivacidade à parte inicial do filme, nem dar sentido à parte final, apesar da beleza estética e de fazer um belo pacote onde muitos completarão suas lacunas apenas mentalmente, pela boa vontade com seu diretor e sua proposta. 

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