Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Cores que precisam se misturar.

7,5
A evolução da dupla Filipe Matzembacher e Márcio Reolon como cineastas transparece também na relação que eles criaram em seus próprios roteiros e na forma como eles se desenvolveram, quase uma resposta narrativa a um processo de amadurecimento particular deles enquanto realizadores. Sair do universo mais fechado e pequeno de Beira-Mar e encontrar as portas da cidade grande de Tinta Bruta causa, de alguma maneira, um impacto sobre quem assistiu o longa anterior, que acabou tendo uma recepção mais tímida do que deveria; talvez também pelo caráter fechado, mais íntimo, seu primeiro filme merecesse uma redescoberta, e seria bom se esse novo fizesse esse caminho.

Ainda que o protagonista da vez, Pedro, tenha características que o aproximem a uma certa pegada de Beira-Mar, aqui o conflito está mais globalizado, o filme tem ramificações que nós identificamos com facilidade e a localização da vez é a capital Porto Alegre, um personagem não muito querido na trama mas muito presente, ainda que se maneira claustrofóbica. O longa encontra apontamentos que abram sua narrativa de um lugar sombrio para um leque de possibilidades menos melancólicas. Ao menos em comum, os dois longas parecem dizer que as coisas da vida não são necessariamente fáceis ou boas, mas tem um jeito de ser menos difícil - vale o esforço, que no entanto precisa ser feito.

De qualquer maneira, Tinta Bruta tem um pensamento mais convencional de roteiro, como encontros em mercado para explicar a trama pro espectador. Essa estratégia facilitadora é comum e não é nova, só me parece fácil demais para uma dupla tão jovem e propensa a sair do convencional, acabar por criar essas possibilidades. Paralelo a isso, o personagem Pedro/GarotoNeon é um primor de construção. Múltiplo, dono de idiossincrasias que o enriquecem, muito de seus demônios são gradativamente revelados, e outros não - ou ao menos ficam na zona da especulação. Dono de um gênio imprevisível, o filme também calcula muito bem em colocar seu ponto de partida fora da narrativa; quando o filme começa, algo já aconteceu. A cena do diálogo da revelação, onde Pedro só escuta, é das mais bonitas do longa. Shico Menegat tem um desempenho equivalente a qualidade de seu personagem, uma interpretação não apenas excelente como muito sutil. 

O trabalho de direção para conceber o universo específico do GarotoNeon é simples, porém de grande impacto visual e que instiga o público, além de criar possibilidades infinitas pro visual. O fotógrafo Glauco Firpo e o montador Germano Oliveira já tinham se encontrado em Cidades Fantasmas, e voltam a trabalhar juntos e a repetir excelência, e Germano em especial tem um ponto muito preciso de ritmo que coloca sempre o filme pra frente, enquanto Glauco compõe uma luz muito estratégica para definir Porto Alegre da forma como o roteiro a coloca. Essa elaboração conjunta é que garante esse avanço de Filipe e Marcio em relação a empreitada anterior, ao ter certeza que os ajustes que precisariam ser feitos advém da experiência necessária do próprio jogo do fazer. 

Independente dos detalhes, o quadro desenvolvido pelos diretores é o do pedido de socorro que muitas pessoas têm lançado hoje, porque tantas delas não tem qualquer para conduzir suas próprias necessidades básicas, que dirá construir uma estrutura emocional sólida, e sozinho. No campo proposto pelo filme, o externo é capaz de curar o interno, mas é preciso expor a si mesmo. Se disponibilizar. E dançar a próxima música como se fosse a primeira. 

Filme visto no Festival de Cinema do Rio de Janeiro

Comentários (0)

Faça login para comentar.