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Críticas

Cineplayers

Brian De Palma e a arte do excesso.

9,0

Brian De Palma é um cineasta de excessos. Quem prima pela sutileza no cinema se transforma de imediato em um detrator de seu estilo, coisa que acontece com grande freqüência. E é até compreensível que, desta forma, filmes como Trágica Obsessão, uma de suas grandes obras-primas, permaneçam até hoje na penumbra da memória cinematográfica. O fato é que De Palma promove com o seu cinema uma espécie de ‘releitura’ do próprio cinema, em especial daquele que é tido como o grande influenciador do diretor e reconhecido como o ‘mestre do suspense’, Alfred Hitchcock, cujo estilo cinematográfico se fundava justamente pelo caminho contrário ao que ele trilha: a sugestão. Para Hitchcock, o clima de mistério é o principal de tudo. Para De Palma, as coisas nem sempre são assim.

Trágica Obsessão pode ser considerado uma releitura daquela que muitos apontam como a grande obra-prima de Hitchcock, uma história de amor construída em dois atos distintos e mergulhada em um tom inenarrável de remorso e obsessão – no filme do gordinho o personagem de Stewart se recupera do choque que é ver a mulher que ama se suicidar, quando encontra outra que se parece com ela e tenta reviver o romance. O filme em questão é Um Corpo Que Cai, clássico do suspense que praticamente resume a plotline de Obsession, que com algumas variações reencontra o tema romântico-obsessivo ao apresentar o retorno um empresário, que depois de mais de 20 anos ainda se culpa pela morte da mulher, ao local onde se conheceram - descobrindo que por lá encontra-se uma mulher de aparência física incrivelmente semelhante com a de sua falecida esposa.

A diferença entre o cinema de Hitchcock e o cinema de De Palma faz com que Trágica Obsessão eleve o espírito e a pretensão de Hitchcock à enésima potência, num surpreendente surto narrativo que explora com um preciosismo único as variações dramatúrgicas do roteiro original, investigando de forma ainda mais perturbadora e insana as condições psicológicas das peças que montam o denso quebra-cabeça desta dramática trama de obsessão. E é curioso como, mesmo sendo uma releitura, Trágica Obsessão termina por ser um filme absolutamente diferente de Vertigo. De Palma enrola e desenrola cada elemento do filme, inverte as posições dentro da estrutura narrativa, mexe aqui, torce ali, entorta lá e o resultado é simplesmente orgástico, surtante. Os primeiros vinte minutos, sem quaisquer cerimônias, vêm como um baque, um choque em quem aguarda o clímax inicial para lá pelos cinqüenta minutos de filme rodado.

E a partir daí, De Palma revela um novo filme. Menos tenso e eletrizante do que o começo, porém ainda mais sufocante, transformando seu aparente suspense em um carregado drama sobre a culpa, o remorso, sobre a torturante sobrevida que o protagonista, preso a um erro do passado, desenvolve a partir do momento em que precisa conviver diariamente com o fato de ter tido a vida das pessoas que mais ama em suas mãos – e as jogado fora. É um filme sobre a tão sonhada segunda chance. E poucos trabalhos de De Palma foram tão particulares sob o ponto de vista dramático – talvez apenas O Pagamento Final se assemelhe em dor e substância a Trágica Obsessão, que aliás tem em seu final alguns elementos bem notáveis daquilo que viria a ser desenvolvido mais tarde por De Palma nesta obra-prima do drama policial. É um trabalho bastante profundo, que desmente em absoluto a artificialidade comumente atribuída ao cinema do diretor.

E é no terço final que De Palma finalmente comprova o porquê de eu ter chamado-o de cineasta de excessos, brincando feito uma criança autista com sua própria criação ao filmar um desfecho absolutamente insano e perturbador para uma história tão bonita e profunda. Mas sejamos realistas: somente assim Trágica Obsessão poderia ser a obra-prima sincera e deslumbrante que é. Porque o cinema, acima de tudo, é baseado no poder de manipulação da imagem. E ninguém precisa avisar que este é exatamente o brinquedo preferido de De Palma.

Comentários (1)

Marcos andré Pereira | segunda-feira, 21 de Outubro de 2013 - 16:53

ótima crítica pra uma puta dum filme do caralho, fiquei surtado vendo este hoje, de palma é mesmo um mestre.

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