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Críticas

Cineplayers

Se constrói de maneira eficaz até jogar tudo fora em um desastroso último ato.

6,0

Normalmente, quando um filme faz sucesso com alguma ideia ou abordagem original, é hábito surgirem diversas produções baseadas ou até mesmo copiando descaradamente o que se destacou. Foi assim, por exemplo, com Pânico e Matrix, que foram clonados praticamente à exaustão nos anos seguintes aos seus lançamentos. Agora, o mesmo acontece com a série Bourne, que estabeleceu um novo parâmetro para os thrillers de ação e espionagem neste início de século – como se pode comprovar pelas novas aventuras de James Bond, claramente inspiradas na trilogia do espião interpretado por Matt Damon.

Trama Internacional é mais um desses filhos de Jason Bourne. O longa segue o conceito desenvolvido por Doug Liman (e aperfeiçoado por Paul Greengrass) ao apresentar uma investigação percorrendo diversos lugares do planeta, com um herói real, que nada lembra aqueles “exércitos-de-um-homem-só” dos anos oitenta. Esse protagonista é Louis Salinger, um agente da Interpol que há anos tenta juntar provas sobre as atividades ilícitas de um dos mais poderosos bancos do mundo, o IBBC. Com a ajuda de uma promotora de justiça de Nova York, Salinger começa a fechar o cerco em torno do presidente da instituição, à medida que sua vida passa a ser ainda mais ameaçada.

Dirigido por Tom Tykwer, o filme resulta em uma experiência bem construída durante boa parte de sua duração, até praticamente jogar tudo fora perto do final. Nesse sentido, o cineasta repete o que aconteceu com Perfume - A História de um Assassino, seu trabalho anterior, uma obra que também se perdia no terceiro ato. Em Trama Internacional, Tykwer desenvolve o enredo com precisão, jamais deixando a obra perder o ritmo e fazendo com que a narrativa siga sempre adiante, com novas informações relevantes à investigação surgindo a cada novo momento.

Dessa forma, a construção da tensão é eficiente: ainda que Tykwer não apresente a originalidade de Corra, Lola, Corra, o filme realmente funciona de forma gradativa, elevando a urgência da história até o clímax passado dentro do Museu Guggenhein. O grande problema é que este auge chega cedo demais e, após ele, a produção ainda tem uns vinte e tantos minutos de pura enrolação que jogam por terra tudo aquilo que havia sido desenvolvido até o momento. A sequência no Guggenhein é tão bem montada e dirigida que nada do que vem depois consegue se igualar a ela, fazendo do último ato de Trama Internacional uma verdadeira jornada ladeira abaixo. Em termos de direção, Tykwer ainda encontra espaço para homenagear Alfred Hitchcock, o maior mestre do gênero, ao realizar – mesmo que de maneira inversa – um dos planos mais famosos de Psicose (a da câmera girando e se afastando do olho de Janet Leigh no chão do banheiro).

Para ser mais justo, a cena no Museu não é a única boa e nem a melhor do filme. O grande momento de Trama Internacional ocorre logo após a esse tiroteio, em uma conversa entre o personagem de Clive Owen e o do veterano Armin Mueller-Stahl. Nestes poucos minutos há uma perfeita coesão entre direção, atuações e o texto de Eric Singer. O roteiro, na verdade, é brilhante nesta sequência, sendo capaz de oferecer uma maior compreensão dos personagens, apresentar belíssimas frases (“Às vezes, encontramos nosso destino no caminho que tomamos para evitá-lo”), ter relevância para a trama e, de quebra, oferecer um subtexto crítico ao refletir sobre o imenso poder das instituições financeiras no mundo atual.

Aliás, Tykwer e Singer merecem créditos por inserirem estes elementos no roteiro, especialmente em uma crise como a atual – ainda que o texto provavelmente tenha sido escrito antes da turbulência econômica ter início. Com a discussão sobre o alcance e a influência não somente dos bancos, mas das grandes corporações, Trama Internacional ganha uma relevância maior em relação àquilo que normalmente se vê em superproduções hollywoodianas. Ainda que não se aprofunde nessa crítica, ela também não é somente citada no filme, sendo o ponto crucial de um momento importante (a já citada conversa entre Owen e Stahl) e artifício para fechar a produção de maneira satisfatória.

Por outro lado, o roteiro desliza em outros aspectos, como alguns furos (a necessidade de dois atiradores não faz a menor lógica) e o fraco desenvolvimento dos personagens. Não há informações que façam o espectador compreender melhor aquelas pessoas ou, simplesmente, construir uma identificação com elas. Tanto Salinger quanto Whitman são rasos em termos psicológicos, e Tykwer aposta unicamente no carisma e presença de seus protagonistas para preencher essa lacuna. O artifício, no entanto, não dá certo: ainda que Clive Owen imprima sua energia habitual ao personagem, ele não passa do mocinho determinado, enquanto a promotora Naomi Watts nada pode fazer com um roteiro que, para piorar, simplesmente a deixa de lado no último ato.

E este é apenas um dos problemas dos minutos finais de Trama Internacional. A história não apenas esquece de Whitman quando conveniente como também começa a acumular um absurdo atrás do outro. Como a trama construída até então havia sido encerrada sem uma conclusão para o conflito, Tykwer e Singer apresentam uma negociação do banco que jamais fica clara ao espectador – ela simplesmente é criada a partir do nada. Além disso, algumas cenas deste terceiro ato não condizem com o realismo apresentado até então pelo filme, soando desconexas da obra: por que fazer Salinger encarnar Jason Vorhees e caminhar enquanto seu alvo foge correndo? Aliás, por que o alvo subiria nos telhados senão para criar uma cena mais visualmente bacana? E será que nenhum deles viu uma terceira pessoa naquele lugar tão inóspito?

É uma pena que Trama Internacional saia dos trilhos justamente em seu trecho final. A sensação que fica é a de que, com um pouco mais de cuidado, o filme poderia ter sido um dos grandes thrillers do ano, o que realmente acontecia até mais da metade da produção. Do jeito que ficou, permanece um suspense eficiente e bem construído, mas com diversos e inegáveis problemas. Se for para escolher entre Louis Salinger e Jason Bourne, duas horas passadas com o espião desmemoriado valem muito mais a pena.

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