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Críticas

Cineplayers

Ao optar por estender a história, Eastwood perdeu a chance de ter outra obra-prima em mãos.

6,5

A Troca é um filme difícil de ser realizado. Primeiro, porque é uma história difícil. Segundo, uma história real; tem sempre aquilo de comparar com a verdade. Aliás, que seja dito: o roteiro faz uso de fatos reais e os manipula para que a mãe fique mais boazinha e o vilão pareça mais malvado. Quem tiver visto o filme deve dar uma olhada na Internet para saber mais sobre a parte real; tem muita coisa que foi distorcida. Mas isso, na verdade, pouco importa.

De qualquer forma, numa história real – assim como numa dissertação de mestrado ou qualquer material acadêmico – é preciso fazer um recorte e definir o alcance do trabalho. Esse foi o principal erro da produção: ficar presa demais à realidade. Parece que havia a necessidade de contar até o fim o que aconteceu, quando, na verdade, o recorte deveria ter sido diferente (embora o título trouxesse essa informação: A Troca – apenas a isso deveria se restringir o argumento); ou, então, que se fizesse um outro filme, uma sequência, contando a história dos assassinatos e daí em diante (fechando com a primeira).

Para quem não sabe do que se trata (e, aqui, vai um resumo que conta quase tudo): em A Troca, Angelina Jolie é Christine Collins, mãe solteira que, um dia, chega do trabalho e se depara com o desaparecimento do filho de nove anos. O caso mobiliza polícia e imprensa, e, depois de alguns meses, surge um menino que, supostamente, seria Walter Collins. Aturdida, a mãe aceita a criança para, logo mais, perceber que definitivamente não é seu filho. Acontece que aí já é tarde demais: a polícia, sem querer admitir o erro, não acredita nela e a faz ficar com a criança. A trama ganha uma nova dimensão quando entre em cena um assassino, e a partir daí tudo vira um jogo de incertezas. A única coisa que permanece inalterada é a força de vontade de Christine Collins na busca pelo seu filho.

A parte técnica do filme é irretocável: direção cuidadosa, bela fotografia, direção de arte e cenários de bom gosto. Além disso, o elenco: se nem todos brilham, não há ninguém que faça feio; no fim, o filme é mesmo de Angelina Jolie, e ela faz por merecer os elogios que vem recebendo. O único ponto a questionar – é impossível não voltar a isso – é mesmo em relação à opção feita pelo roteiro (que, na primeira metade, não é ruim; na segunda, sim). 

Diz-se que "o gato deitou no tapete" não é uma história. Agora, "o gato deitou no tapete do cachorro" é. Afinal, o drama da mãe que teve o filho desaparecido já foi retratado um milhão de vezes. No entanto, o drama da mãe que teve o filho desaparecido e recebeu uma outra criança que não era sua – bom, isso é algo digno de nota. Essa é, sem dúvida, a parte que mais funciona no filme. É um momento de intensa angústia proporcionado pelos constantes ataques à percepção da mãe. Sem apelar para sentimentalismo (e seria fácil demais cair nessa armadilha), a história consegue despertar indignação, pois o senso de justiça é também atacado com violência. Somada a boa articulação do roteiro ao desempenho notável de Angelina Jolie (que também foge do óbvio ao evitar o estereótipo da mãe desesperada), a primeira hora do filme é quase perfeita. Mantém-se uma tensão que prende, amarra, sufoca. 

No entanto, a situação da troca se resolve muito rápido, e, então, ainda resta quase metade do filme. 

Mesmo assim, a certa dose de mistério acrescentada e o interesse pelo segundo enredo ainda mantêm a atenção e a expectativa. Então, o filme perde nova chance de saber a hora de parar. Quando entra na parte dos tribunais, a trama fica menor e se arrasta de forma exaustiva. Perde-se o extraordinário que havia e, enfim, surge um momento de catarse, o êxtase da justiça – algo muito menor que o drama da mãe com o filho errado (e muito mais explorado no cinema de pouca qualidade). Esse é um erro que um diretor como Eastwood não poderia cometer. Ele teve a chance, pôde fazer a escolha entre uma ótima realização cinematográfica ou um drama raso sobre a justiça e a esperança. E, infelizmente, fez a escolha errada – confirmada na meia hora final e sublinhada de vermelho na frase derradeira (simplesmente patética).

No fim, o realizador parece ter optado por fazer um dramalhão para o Oscar com uma lição de vida no fim. E, evidentemente, isso não é bom para quem gosta de cinema.

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